quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O pato amarelo e sua intersemiótica

Alexander Martin Wash

Há muito temos visto e ouvido acerca das contradições políticas imanentes e inerentes ao Brasil. Em voga há a idolatria a um certo, e até fofinho, pato amarelo. Mas qual a leitura ou leituras que podemos fazer deste símbolo? Qual seu significado e significante para a sociedade brasileira? Qual seu real valor?

A primeira delas é a de que, ele, o sr. Dr. Pato, se refere a um mote popular: “pagar o pato!”. Ou seja, uma forma de designar aquele que será o bode expiatório de alguma causa ou dívida: literalmente, o Pato! Aquele que supostamente na ausência do frango vai para panela. E nem por isto! Quando bem preparado não deixa de ser uma sofisticada e deliciosa iguaria, sendo profundamente apreciada pelas nobrezas e elites abastadas mundo à fora.

A cor, no entanto, fala mais sobre o símbolo do que o símbolo em si, uma vez que o pato sempre foi, é e será o povo (seja brasileiro ou não!), pois é ele quem sustenta a sua nação através de seu trabalho; dos pagamentos de taxas, tarifas e tributos; e, enfim, através da realização da produção e do consumo nacional. Logo, a dualidade da cor, expressada através do movimento que o idealizou, isto é, a ufanista e retrógada direita conservadora, remete ao ouro: a riqueza que estes mesmos idealizadores - por séculos - usurparam da nação brasileira e que em dado momento político, histórico e sociológico viram minguar seus monopólios e, consequentemente, as fontes infindáveis da corrupção, seu alimento predileto.

Mais que isto, ressentidos por terem que dividir espaços com a plebe rude, que através de uma política social robusta alcançara a consolidação parcial de seus direitos constitucionais, entre os quais o mais marcante é a mobilidade aeroviária, algo inimaginável para um operário brasileiro nas décadas anteriores, essas, governadas pelos idealizadores do sr. Dr. Pato; e, no âmbito educacional, a abertura das portas do ensino técnico profissionalizante e universitário, ambos a baixo custo ou gratuito, que proporcionou um crescimento da taxa de ocupação escolar em todos os níveis, não necessariamente de sua qualidade, mas que pressionou a comodidade da suposta classe média, que outrora vivia das relações corruptas com o Estado (o famoso QI – quem te indicou?) para fins de cargos e salários, tanto na esfera pública quanto na privada, e que teve que disputar em termos parciais de igualdade com as, até então invisíveis, classes “C” e “D” os míguados postos de trabalhos remanescentes da destruição do parque industrial brasileiro e da política econômica; esta que submissa às corporações de crédito e financiamento, cerceia a possibilidade de sustentabilidade e expansão das pequenas e médias empresas, bem como extermina com o desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação tecnológica nacional, tornando o país completamente dependente da importação de máquinas e insumos, alimentos inclusive.

Esse foi o Pato Amarelo Ouro.

Há o Pato da Vergonha: o amarelo ovo podre. Símbolo de covardia. E aqui, exalta suas duas formas: a do opressor, que ridiculariza o povo que o exalta como símbolo de progresso, desenvolvimento e democracia; e a do oprimido, que o vê como símbolo da opressão, mas fruto de uma cultura de suposta paz, sofre com o desmantelamento dos serviços públicos em função dos interesses privados – terciarização, privatização, e agora, a declarada legalização da escravocracia (uma vez que ela jamais deixou de existir em solo brasileiro)! –, com o achatamento salarial e uma taxa crescente de desemprego, este, fruto da mecanização na lavoura e da implementação da infomecatrônica (robótica) como sistema de produção a médio e longo prazos, logo, refém do subemprego ou do crime organizado, torna-se cada vez mais farta massa de manobra para ideologias e políticas oportunistas.

Esse foi o sr. Dr. Pato da Vergonha: com fome, frio e medo não se faz revolução alguma: no máximo, rebeliões; no mínimo, submissão; de quaisquer formas, forjamos covardemente a morte seletiva do povo brasileiro!

Há, ainda, por maior desventura, o Pato Amarelo Apostólico. Este, calcado em distorções ideológico-político-religiosas, remete-nos ao fim das liberdades individuais e coletivas; formaliza os preconceitos latentes nas doutrinas que enriquecem seus líderes; legaliza a intolerância tornado seus discípulos em famigerados militantes da inexistência do outro. Não há verdade mais absoluta que a de sua fé e de sua cultura apostólica e evangelizadora pentecostal! Nunca o crime organizado e o tráfico de drogas se sentiram tão bem acolhidos pela cristandade e tão bem representados nas esferas políticas. Nunca se viu tamanha proliferação de igrejas e templos em solo brasileiro, e tão pouca atitude cristã.

O evangelho aqui proferido segue não apenas outra liturgia, mas refere-se a outras escrituras: a da casa, a da fazenda, a do carro, a da conta bancária que engordam, com a benção das isenções de impostos, seus líderes espirituais e promovem a miséria, não apenas espiritual, mas - e principalmente! - material de seus súditos, esperançosos por um salvador. Lamento.

Para quem professa a fé cristã, o que se vê hoje é tudo, menos exercício de cristandade. Esta se baseia na verdade, na justiça, na liberdade! No bem estar comum; na consubstanciação e partilha do pão e do vinho; na multiplicação dos meios de subsistência; no respeito próprio e mútuo; no milagre pentecostal da comunhão das diferenças e da plenitude do amor como fundamentos de igualdade entre os homens e da manifestação de Deus no seio das sociedades! Valores universais de fé, caridade e equidade, beneplácitos de toda e qualquer religiosidade que se considere séria.

O exercício político não pode se sobrepor ao laico. Não pode ser utilizado ardilosamente para conduzir ovelhas ao matadouro, pois o que se presencia na atualidade vergonhosa dos atos e fatos é exatamente a aniquilação da cristandade tanto na aplicação da doutrina, quanto no exercício político daqueles que se dizem cristãos. Vivemos um tempo não obscuro, pois está bem claro quem é quem na política brasileira, mas de profundo retrocesso nas garantias de direitos universais. O neonazismo ressurge com o brado retumbante de por Deus, pela família, pelo Brasil! Estes, quase um renascer do Integralismo de Plínio Salgado e da Ação Cristã (Tradição, Família, Propriedade), são os pilares da corrupção e da escravocracia nacional.

Esse foi o Pato Amarelo Apostólico: religiosamente corrupto! Ufanista, neoliberal e neonazista!

Há, por fim, o Pato Amarelo Imperial. Este, sim, belíssimo!! Integrante do pavilhão nacional como memória do império e do primeiro golpe militar de nossa história, a fundação da República e a entrega do desenvolvimento nacional às nações estrangeiras, dando-nos como vocação e herança a cartilha escravocrata das oligarquias rurais. Estas que hoje são efusivamente festejadas como as salvadoras da pátria em shows midiáticos de importação de máquinas e exportação de commodities (o AGRO é POP? Claro que sim: o pop não poupa ninguém!!!), mas que no mercado interno oferece o restolho de seus consagrados produtos, e, não obstante ao uso das instituições de educação e pesquisa públicas (EMBRAPA, Universidades Federais, Institutos Federais e Escolas Agrotécnicas, por exemplo) para o desenvolvimento de suas atividades, representa-se por progressiva redução de postos de trabalho, baixos salários e mínimos direitos, quando os respeita.

Graças ao Pato Amarelo Imperial, e aqui nos debatemos entre os dois impérios: o chinês e o capitalista ortodoxo, vemos as leis ambientais brasileiras (não apenas estas, mas cujos danos são irreversíveis!) sendo rasgadas (antes havia o burlo, agora legitíma-se!), e como consequência temos os conflitos agrários e de ocupação de terras se agravando com novas grilagens e a revogação de demarcações de terras  indígenas e quilombolas, novas permissões impensáveis e inconstitucionais de lavras, renovado desmatamento progressivo, mas, desta vez, sob a tutela e segurança do Estado.

Como no Brasil o culpado é a vítima: o responsável por todas as consequências destes descalabros é o povo. É ele o responsável por Mariana, já esquecida pela mídia nacional, e cuja irresponsável – a Vale – sequer é averiguada; ao contrário, é festejada em Carajás por um pífio investimento de dez milhões de dólares. É ele o responsável pelo processo de desertificação do cerrado e a crise hídrica nacional. É ele o responsável pelas inundações sistemicas das construções em áreas de alagados e dos deslizamentos das encostas serranas. Enfim. O culpado é a vítima! É o povo brasileiro o responsável pelo mau caráter, pelo oportunismo corrupto daqueles que deveriam protegê-lo. Portanto, é ele quem deve pagar pelo seu erro.

Esse foi e é o mais belo e formoso dos Patos: o majestoso Pato Imperial.

Há ainda mais um Pato Amarelo. Na verdade um patinho amarelo. Inocente. Pequenino como nossas crianças que com ele brincam felizes em suas banheiras. Mas este, assim como a adolescência e a juventude, está em extinção. Roubaram-nos a infância!