quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O ancião



Jodhi Segall

Cada qual possui suas necessidades
Conforme o templo, o labor, o tempo e a cidade.
Como diria alguém de outrora ao eternamente:
Àquele que não sabe o que lhe é herança:
Atente-se ao amor, saber e circunstância.
No destemor de a si viver, vive-se bem
No conceber-se livre e nada em si conter;
Não mais que o tempo necessário à boa companhia
Dos bons modos e boas coisas que na simplicidade,
Para além do olhar e demais sentidos, a alma se alimenta!
A arte de viver se constitui boa presença.

Cada qual possui suas necessidades
Conforme o templo, o labor, o tempo e a cidade.
Como diria alguém de outrora ao eternamente:
Cada cabeça uma sentença, e feliz daquele que para si não mente...
A arte de viver é bom descarte: é ser nunca cedo e não ser tão tarde.
É caminhar seguro sobre todas as incertezas.
Presenciar com doce afeição cada beleza, prazer, felicidade
Que por nós, nos é proporcionada.
Poder dizer do grande amor a quem nos ama
E nada esperar senão de si bom senso, prudência e discrição.
Dotar de bom gosto a boa estima e a admiração...

Cada qual possui suas necessidades
Conforme o templo, o labor, o tempo e a cidade
Como diria alguém de outrora ao eternamente:
Pensar demais não vale à pena: é pesado por demais
O fardo de quem cria e não engorda.
Lavra bem tua lavra, cuida bem de tuas águas.
Não é preciso o muito em nada, na imprecisão se lida a vida,
Pois ela é linda por si mesma.
Não é preciso o pouco em tudo: se a cabeça não pensa, o corpo padece.
Quem decide as coisas com o coração, também adoece:
Aquele que mais ama, mais esquece!!

Como diria alguém de outrora ao eternamente:
Cada qual possui suas necessidades
Conforme o templo, o labor, o tempo e a cidade.

Nos demais, gotas de chuva e um sol feliz;
O vento declamando seus poemas;
O mar nos ensinando a humildade das coisas profundas;
E o firmamento nos lembrando a todo instante
O quão insignificantes somos...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

(Auto)Biografia Não Autorizada




Alexander Martin Wash

Escrever uma (auto)biografia já é uma árdua tarefa por si só. Viver é biográfico. Por mais público e notório que se seja, a distinção entre o público e o privado é ou será sempre a distância elementar entre a cozinha da casa e sua latrina. 

Os cômodos de uma casa são praticamente a realização da vida de uma pessoa. E é nela, esse pequeno feudo chamado lar, em que escrevemos com sangue, suor e lágrimas os momentos significativos e significantes de nossa estúpida e singular existência.  

Talvez por isto, essa distância tão hegemônica à tantos mundos, em que quartos e salas, áreas distintas entre o lazer e o serviço, sejam tão pouco comensais. Um olhar sobre si mesmo recai muito mais sobre nossas mentiras do que sobre nossas imprudentes verdades. 

Ao certo e para tanto: verdades não nos interessam. Por si mesmas já desencantam. Desmistificam. Desmitificam. E isto é trágico.

Ser sincero é ser sozinho: egoísta demais para conviver com a fragilidade da existência e sua incompletude. 

Caso não queira ser contrariado, por favor: não nasça! Desejas ser perfeito? Morra!! Somente a morte nos torna, retorna, reflete em si, o que por ventura ou desventura é perfeito. 

Há quem diga da perfeição divina. Nem nela, aos 120 anos de idade, um homem de bom senso crê.

Não por sua latente companhia. Aliás, de ambos: Eros e Tanatos. Juventude e decrepitude sempre andam juntas. É como saber e ignorância: como necessitamos de justificativas para nos dizermos sãos. Como precisamos tanto da palavra igualdade para nos afirmarmos únicos e tão únicos, tão donos de nós próprios: livres. Encarcerados em uma bolha de ares não respiráveis, mas livres! 

E nada como afirmar: o amor é azul! A terra é azul. O mar é azul. O ouro é azul. A morte azul. A chama da vida: o fogo é azul!! 

É... A lua, no entanto, é cor de burro quando foge! Ou algo meio insosso, insípido. A lua é sem sal. E tudo sem sal é, na modernidade de nossos pré-tumulares, bom. É preciso iodo. Não etos, atos. Sei lá mais... Em um mundo formatado em óides, úricos e ídricos, apenas os hídricos e hesitantes são totalmente descartáveis para o bem maior da integridade econômica (reciclavel) glocal.

O êxito é uma palavra sagrada. Secreta. Guardiã da eternidade. Mãe da sobriedade. Talvez natimorta. Já que o que se revela no hoje o é em sua totalidade. E há que fale sobre sustentabilidade. Vá entender lá o que é isso!? Na antiguidade, e nunca sequer saímos de lá (se é que lá estivemos ou chegamos!?), era a legalidade da escravidão! O que não está longe, mas bem presente! Enfim, nada como ser troglodita. 

Outro dia estava lá, debruçado sobre os escombros de si mesmo e solicitando piedades aos transeuntes, o meu precursor: algo de resto entre o preto, o branco e o qualquer coisa chamado de índio. E rio-me quando afirmam-nos cinza. Acaso trate-se da cor: ainda há como escolher entre escuro ou claro; mas tratando-se de ou da existência, resistência, força, qualidade, propriedade, serve ao menos para salgar a caça que sobrar. Acaso sobre.

Falava-se outro dia sobre a fome. Não a conheço. O que conheço possui outro nome. Chama-se estupidez. E nada é tão farta no mundo quanto a estupidez. Estupidez e ignorância são sinônimos da igualdade que se busca e da sustentabilidade que se conquista no “por ora” das horas extras não pagas. E cobrá-las acaba por ser direito, porém, incoerente. Afinal, a previdência é a previdência. E para ela hora extra não existe. Não conta como tempo de serviço. Ou se conta, onde estão os dez, quinze anos nelas embutidos e consagrados à vã gloria do proletário. Assiduidade. Nada como ser assíduo. Nada como a mais profunda competência. Relevância. Excelência. É bom também! É ser sustentável... No mínimo: auto-sustentável, ainda que imóvel.

Imóvel. Creio bem mais nesta palavra do que na liberdade ou esperança. Um dia foi-se criança. E hoje é-se velho, arcaico, deprimente, descartável – principalmente se não possuir renda ou recursos. E tem-se apenas vinte anos... O que dizer de quem chegou – sobrevivente – aos sessenta, setenta, oitenta, cem... 

E sem é uma palavra derradeira. Porém cada vez mais comum. Assim como imóvel. É... O latifúndio venceu: a cova rasa é um direito legal, porém, distante, bem distante do lugar comum. É um imóvel. Como cada vez mais nos tornamos...

O pedágio está nas ruas, nas vielas, nos becos e avenidas, está nas praças, nos concretos e congressos, nas concretudes constituídas no pânico e no medo nosso de cada dia.

É o patrimônio que somos. O legado que deixamos. A biografia. A historiografia real e ampla de nossas palavras, atos e omissões. E tudo é trabalho. Tudo se resume ao servir, ao prestar, ao eficiente e eficaz. Aos meios e recursos recebidos. Às habilidades e competências adquiridas. Ao uso. Usufruto, talvez!? Usucapião, sempre.

Memórias são assim: fragmentos de nossas conveniências. 

E como somos tão determinados por nossas inconveniências. Como somos julgados segundo nossas misérias. Como nos espelhamos tanto em dependências.

O mundo não é um mundo de luzes. Ele é constituído e consagrado através da escuridão. O obscuro e o oblíquo são as forças motrizes da existência. Precisamos muito mais dos vícios do que das virtudes... Pessoas virtuosas não nos são úteis.

E no fim desta, assim como as demais, pouco nos importa ser Dante ou Cervantes: de nada ou pouco a prata abasta. Tanto faz perguntar sobre o caminho: “as aves do passado não repousam no mesmo ninho do agora”.

Ter um Deus apenas, não é algo de bom senso. 

Falar de amor não é bom. Amar faz bem, só isso. Saber amar é que é difícil: tanto de aprender, quanto mais, ensinar...

Perdão?! Não conheço! Mas esquecer vale a pena. 

Vou viajar. É comum ao tempo fazer-se espaço. Na bagagem quase nada levo. O suficiente para uma semana, ainda que a jornada leve décadas. Esteja onde estiver, lá estarei completamente nu. E isto me é bom e sagaz: ser sempre incompleto. Satisfatoriamente, incompleto...


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Beleza americana



Jodhi Segall


Hipocrisia.
Hipocrisia.
Hipocrisia.
Eu também sou hipócrita!
Um certo desconcertante descontentamento invadiu meu mundinho vazio.
Minha pequenez mundana se descortinou na embriaguez torpe dos errantes solitários.
Um gosto de fracasso, um cheiro de merda e um ranço de porco e cachaça.
Bem diferente da pipoca e da primeira esperança de se bem querer bem.

Ás vezes despertamos felizes, ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Fala-se de lealdade.
Procura-se afirmar qualquer verdade.
Gritam pelas ruas: liberdade!

Meus sonhos todos em outros vingaram.
Todas as minhas incompletudes feneceram.
E com elas minha estúpida e tola alma.
O erro é companheiro dos ventos.
Não nos imobilizam, os erros.
Nos jogam contra nossa infindável ignorância.
Nos acrescentam.
A prudência é sagaz.
Previdente.
Organizada.
Institucionalizada.
Econômica como um bom casamento entre dois estúpidos.
A coragem é um risco.
Quem não se expõe não se arrisca.
Quem não vive não se precipita.
Quem não ama nada possui. Nem vida.

Ás vezes dormimos felizes, ainda que desnutridos de qualquer caráter.
Falamos sobre justiça.
Mas não há justiça dos vencidos.

Falamos de virtudes.
Mas o que é a virtude senão a institucionalização do vício.
Precisamos muito mais do vício do que das virtudes...
Pessoas virtuosas não nos são úteis.
O mendigo é mais útil que o professor.
O traficante é mais necessário que o coletor de lixo.
A prostituta é mais honesta que a nossa concubina, esposa, amante.
Sexo pago é mais barato que fazer promessas que não podemos cumprir.
Nada como a felicidade da liberdade do adultério consentido...

E tudo é sentido. Fazer ou não? Seguir ou não? Ter ou não?
Que se dane!!!

E tudo é contrato:


Porra, mano!! A fora o desespero econômico e financeiro que se tornou generalizado e crônico, a saúde até que está muito condescendente. Estou com problemas para pagar a porra do plano de saúde, mas agora no fim do ano espero controlar as coisas. É a idade das ITES, aquela que precede as das OSES. Otite média crônica, presente! Laringite, presente! Gastrite, presente! Estomatite, presente! Duodenite, presente! Broxite, vez ou outra, dependendo da dosagem alcoólica e do esforço compreensivo da vagaba!! Porra, se eu soubesse que chegar aos 50 ia ser esse desastre, sei não, viu!! É claro que a Idiotite é acumulativa e depois dos 40, dificilmente reversível!!!

Não diferente de ti cumpadi! É por aí...
Não exponha suas misérias...
Não mais do que já expostas, sabidas, reveladas.

Não mais que isto:

O alcoolista manipulável, em álibis transformado.
O viciado em heroína que é presidente do senado da república federativa dos alienados.
Os restolhos pelas ruas e avenidas descartados em latrinas de maconha e crack.
A Aids está aí! E daí?!
Também se morre de gripe, dengue, malária!
Se morre de descuido, desprezo, desamor!
Diz-se até que por amor se mata e se morre.

E nada mata mais do que o amor!!

A morte é a morte! Que se foda!!!
Tanto faz quanto tanto fez.
O desemprego taí!
Amanhã nem teremos mais aposentadoria. Que dirá emprego...
E tudo é contrato.
O policial é o natimorto da sociedade.
O delegado, uma libélula deslumbrante na boca do sapo.
O juiz, um contra-senso jurídico.
O réu é o único que não sendo inocente, se torna mártir de uma revolução às avessas.
As avenidas, ruas, vielas, becos e praças definem nossa profunda conformidade.
É tão fácil instalar câmeras, grades, muros altos, cercas eletrificadas...

O holocausto está aí!! Evoluímos... Globalizamos nossas selvagerias.
O campo de concentração agora é na sala, na copa, na cozinha, no quarto de cada casa.
A pedofilia é a glória do momento.
O estupro é a maravilha do orgasmo social.
As mulheres espancadas e mortas são o supra-sumo da restituição do direito universal masculino de foder quando, como e com quem quiser.

É que nem política:

E cale a boca: vadia!! Vagabunda!!
Chupa, cacete!! Chupa!!
Chupa gostoso, porra!!
Abra as pernas, filha da puta!!
Me dá logo esse cú, caralho!!

E dá-lhe porrada!! Mas tudo com muito, muito, muito amor!

O Brasil não é uma prostituta... A foi por muito tempo.
Agora é como uma primeira dama entre as nações: a grande cortesã!
Nada, nada como a felicidade da liberdade do adultério consentido...
Literalmente: tudo é contrato!

Nada, nada como morrer feliz, ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Brasília desperta.
Esperta essa cidade dormitório...
Cidade dos méritos.
Pátria da meritocracia.
Cidade das asas, dos grandes laços.
E tão pouco espaço para quem caminha...
Nenhum lugar para o homem comum.

Diz-se capital.
Talvez por isso tão distante do povo ao qual governa.
Talvez por isso inexistente aos olhos, aos gritos ou ao pulsar daqueles a quem representa.
Corrupta essa cidadela.
Cidade cadela.
Cidade puta.
Cidade dependente química, dependente econômica, dependente, dependente...
Talvez por isto a nação seja tão mediocre, tão dependente da opinião externa.

Nem por isso Brasília deixa de ser bela em alguns momentos.
Vi um corpo boiando no lago Paranoá, não era de deputado, nem senador.
Não era o meu, por ora...
Então não era ninguém, e o sol brilhou e se pôs maravilhosamente sobre a paz dos covardes.
A lua veio. E algumas recordações amorosas me invadiram...
O amor por lá é invasão e reintegração de posse. Ou isso ou nada.
Quem mais ama, mais trai.
É uma cidade anfitriã!

Rosa está lá já faz tempo.
E eu logo estarei por lá.
Emburguesar-se é a evolução natural dos misantropos e misógenos.

O poder é o poder. Só isto.

Contei meus últimos tostões.
Sangrei meus últimos suspiros de amor e saudade.
Esqueci, por fim, minhas desavenças com a riqueza.
Adeus miseráveis!!
Vou-me embora para Bruxelas...

Hummmm! Por um momento entendi o que é liberdade...

Ninguém gosta de fracassos...
Nem Narciso. Quanto mais Apolo!