A sensatez dos estúpidos
José Dias
A primeira coisa que se pensa ao
idealizar sensatez é a saúde mental. Algo que nos falta em grande escala na
sociedade global. E, que raramente é
exigida no campo político e que, vez ou outra, alcança o pensar econômico e
financeiro, mas jamais o ideológico-religioso.
Óbvio que o tempo é passageiro,
fugaz e, por tal natureza, pertence aos que convivem com sua geração em sua
própria era, idade, esfera. Mas a capacidade humana de ser ignóbil e de cometer
extremadas atrocidades, esta, sim, é infinita. Nem a morte, talvez a única
certeza que possuímos, nos garante tamanha eternidade quanto a ignorância
humana.
Embora, possamos afirmar que a
realização da vida é a realização do trabalho humano, pois é nele que as
relações sociais e econômicas se consolidam; pois é nele em que há real
transformação de idéia em prática; da imaginação em ação ou produto; do sonho
em realização, e, também possamos afirmar da natureza não pecuniária do
trabalho em si, pois o tempo, este que afirmamos: passageiro e fugaz, já é a
paga de sua existência e, seja ela coletiva ou não, há de se compreender suas
distinções, posto que trabalho, emprego e renda são estabelecimentos distintos
e não necessariamente convergentes.
É preciso entender que trabalho é
um pertencimento do ser e que lhe é identitário cultural, seja assalariado ou
não. Na máxima secular: não existe almoço
sem pagamento!, há de compreender que não há gratuidade: o alimento, seja
qual for, é oriundo do trabalho direto ou indireto daquele que se alimenta.
Pode-se não pagar por ele, mas alguém já o fez! Seja de forma monetária, por
escambo, trabalho intelectual, mecânico ou braçal.
Da coleta de frutas silvestres à
colheita de cereais; da caça e pesca de auto-suficiência ao abate de bois em escala
comercial; do pensar ao traduzir o que se pensa e transformá-lo em arte,
ciência, educação e cultura, tudo é trabalho: a vaidade das vaidades!
Afirma-se que de todos os
trabalhos, o mais caro é o exercício do poder político. Como todos somos seres
sociais, políticos e econômicos, somos sempre subordinados às ideologias em
vigor. E, obviamente, não há apenas uma ideologia possível. É, portanto, no
contraditório em que se afirmam as relações ideológicas-políticas.
Neste sentido, é compreensível
que coexistam, em um mesmo território, dicotomias éticas e morais, sustentadas
pela ambição pelo poder e sua perpetuação enquanto dinastias. Uma herança
tribal. Apesar de estarmos no século XXI da era cristã, ora nos aproximamos e
reafirmamos nosso estado medieval, ora nos damos conta de que não saímos da
pré-história. Não que as crenças primordiais sejam nefastas, ou que o tribal
nos seja arcaico. Mas, em um mundo onde o sentido de humanidade é relativizado
pela escassez e não pela fartura, há algo muito errado até nos equívocos entre
mito e mística, entre fé e teogonia.
Observa-se que a teocracia
moderna é algo assustador. Alcança uma destruição linear e constante, maior do
que plutocracias. Quando falamos de sensatez, com todos os riscos inerentes à
corrupção humana, uma das idiossincrasias do exercício do poder, a democracia,
quando inclusiva e participativa, pode ser considerada como um exercício
saudável de construção de direitos e deveres humanos. Ressalta-se que o
problema nunca está na forma de governo, no sistema ideológico que defende. Mas
na cleptocracia que se instaura para a sua manutenção.
Quando unem plutocracia e
teocracia, raramente há algo além do que uma cleptocracia institucionalizada,
na qual a hipocrisia impera em detrimento da miséria e fome de seus súditos ou
crentes, sempre fiéis depositários de uma esperança inócua. Por detrás de
uma suposta democracia ou monarquia onde
tais elementos se fundem e mesclam-se no senso comum dos concidadãos, tem-se a
certeza de que a paz dos estúpidos só é conquistada através da ditadura.
Na modernidade - e há de se
reavaliar o que tal termo define ou a qual situação remete -, as incoerências
ideológicas fogem ao mínimo da racionalidade e não definem sequer um padrão
digno de confiança jurídica ou institucional.
Mais que isto, nem mesmo a academia, com sua milenar produção de
conhecimento histórico-sociológico consegue explicar adequadamente a realidade
catastrófica na qual o mundo - supostamente globalizado - se encontra.
“Ou socialismo, ou barbárie!”, frase redutora de todos os
entendimentos e proferida por uma das mártires do anti-nazismo (Rosa Luxemburgo), nos remete a
questionamentos seculares e ao consolidar da barbárie enquanto modo de controle
e gestão social. É esta a sensatez dos estúpidos!
Uma sensatez que permeia o
pensamento econômico que se mantém através do bélico. Afinal, nada mais
lucrativo do que o descartável. Do que lançar um míssil de um milhão de dólares
e ter repor outro novinho em folha. Independente, é claro, dos danos diretos e
colaterais. Danos estes que se representam, à exceção das vidas humanas
ceifadas e/ou destruídas em suas identidades sócio-culturais e étnicas, por um
ato de libertação e reconstrução por aqueles mecanismos que os destruíram,
normativamente por fatores econômicos e de exploração de riquezas, ou meramente
estratégico de contenção de seus concorrentes, nunca adversários. Este cenário,
há de se ter a prudência de esclarecer, só é rompido quando contratos são
quebrados unilateralmente. Ou seja, as primeiras e segundas guerras nunca foram
ideológicas. Foram econômicas e causadas por rompimentos contratuais que
prejudicaram, e muito, povos e nações.
Ascensão de tiranos ao poder
geralmente não se dá por questões ideológicas. Não se trata necessariamente da
forma de governo ou do sistema econômico. Trata-se de uma elite que se vê
acuada diante das demandas sociais, políticas e econômicas que sua concentração
de renda e poder causam ao povo que a sustenta, e teme, por conseqüência, perder
seus monopólios.
Associada aos plutocratas de
plantão e aos meios de comunicação de seu tempo, propagam o pânico e o terror:
incentivam o canibalismo intra-social entre as classes média e baixa. Com
argumentos de cunho ético e moral, promovem a extinção das minorias e
opositores ao regime, impondo-lhes a responsabilidade dos desvios de condutas e
catástrofes econômicas que trouxeram o caos, onde antes – afirmam: havia a
ordem e o progresso. O que é completamente falso, pois o caos é produzido para
que assim a elite governante possa exercer com plenitude todos os desmandos e
legislar em benefício próprio.
Como raras são as nações que
alcançaram uma pujança social-democrata representativa dos interesses de seu povo,
ou mesmo um socialismo de coalizão e co-responsabilidade estatal, o fato é que
o povo, este algo numérico, muito mais demográfico e figurante de estatísticas
cada vez menos confiáveis, tornou-se apenas um insumo econômico. Uma matéria
prima abundante, que tolhida em suas necessidades básicas, tende a encontrar no
que julga o forte, o lenimento de suas fraquezas, suas inapetências,
incompetências e limitações. Toma-se por dependência o que lhe seria de
direitos humanos universais.
Em grande parte do globo há o
imperar das desigualdades. A corrupção humana é algo inerente àquelas
sociedades onde não há respeito aos direitos humanos, mas não uma exclusividade
destas. É uma questão ética, na qual o conceito moral varia de acordo com a cultura
de subsistência de cada povo-nação. É notório que nações submissas ao
autoritarismo são plenamente corruptas. Onde há excesso moral ou
fundamentalismos de ordem religiosa, a elite é corrupta e corruptora. Logo, a
corrupção é um ato cultural. Observa-se em grande monta na América Latina e no
continente Africano uma generalização, senão a banalização, do ser corrupto.
Há países onde nada se realiza
institucionalmente nas esferas pública ou privada que não seja objeto de
sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, peculato,
fraudes de todos os tipos, e, fruto nefasto deste sistema, há a seletividade
jurídica quanto à responsabilização por danos ao erário e/ou a impunidade pura
e simples dos agentes políticos e corporativos que lesam a pátria. Semideuses
da atualidade juízes e políticos tornaram-se extraclasse.
Tal raciocínio e comportamento,
algo muito mais elaborado no presente dos fatos e fotos, mas que possui a sua
origem na Antiguidade e sua estruturação na Idade Média, formatou o Absolutismo
e transcendeu aos tempos modernos pavimentando o teocrata capitalismo selvagem como
uma vontade divina, onde - não raro – há a idéia de que o poder do mandatário o
foi concedido por graça divinal, através da confiança depositada por seu povo
no sufrágio universal, quando o há, e não por uma escolha de interesses
peculiares aos que lhe são pares ou patronos.
A sensatez dos estúpidos é
abominável. É ela que nos garante a supremacia da injustiça e a eternidade da
ignorância.
