sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A sensatez dos estúpidos

José Dias


A sensatez dos estúpidos

José Dias

A primeira coisa que se pensa ao idealizar sensatez é a saúde mental. Algo que nos falta em grande escala na sociedade global.  E, que raramente é exigida no campo político e que, vez ou outra, alcança o pensar econômico e financeiro, mas jamais o ideológico-religioso.

Óbvio que o tempo é passageiro, fugaz e, por tal natureza, pertence aos que convivem com sua geração em sua própria era, idade, esfera. Mas a capacidade humana de ser ignóbil e de cometer extremadas atrocidades, esta, sim, é infinita. Nem a morte, talvez a única certeza que possuímos, nos garante tamanha eternidade quanto a ignorância humana.

Embora, possamos afirmar que a realização da vida é a realização do trabalho humano, pois é nele que as relações sociais e econômicas se consolidam; pois é nele em que há real transformação de idéia em prática; da imaginação em ação ou produto; do sonho em realização, e, também possamos afirmar da natureza não pecuniária do trabalho em si, pois o tempo, este que afirmamos: passageiro e fugaz, já é a paga de sua existência e, seja ela coletiva ou não, há de se compreender suas distinções, posto que trabalho, emprego e renda são estabelecimentos distintos e não necessariamente convergentes.

É preciso entender que trabalho é um pertencimento do ser e que lhe é identitário cultural, seja assalariado ou não. Na máxima secular: não existe almoço sem pagamento!, há de compreender que não há gratuidade: o alimento, seja qual for, é oriundo do trabalho direto ou indireto daquele que se alimenta. Pode-se não pagar por ele, mas alguém já o fez! Seja de forma monetária, por escambo, trabalho intelectual, mecânico ou braçal.

Da coleta de frutas silvestres à colheita de cereais; da caça e pesca de auto-suficiência ao abate de bois em escala comercial; do pensar ao traduzir o que se pensa e transformá-lo em arte, ciência, educação e cultura, tudo é trabalho: a vaidade das vaidades!

Afirma-se que de todos os trabalhos, o mais caro é o exercício do poder político. Como todos somos seres sociais, políticos e econômicos, somos sempre subordinados às ideologias em vigor. E, obviamente, não há apenas uma ideologia possível. É, portanto, no contraditório em que se afirmam as relações ideológicas-políticas.

Neste sentido, é compreensível que coexistam, em um mesmo território, dicotomias éticas e morais, sustentadas pela ambição pelo poder e sua perpetuação enquanto dinastias. Uma herança tribal. Apesar de estarmos no século XXI da era cristã, ora nos aproximamos e reafirmamos nosso estado medieval, ora nos damos conta de que não saímos da pré-história. Não que as crenças primordiais sejam nefastas, ou que o tribal nos seja arcaico. Mas, em um mundo onde o sentido de humanidade é relativizado pela escassez e não pela fartura, há algo muito errado até nos equívocos entre mito e mística, entre fé e teogonia.

Observa-se que a teocracia moderna é algo assustador. Alcança uma destruição linear e constante, maior do que plutocracias. Quando falamos de sensatez, com todos os riscos inerentes à corrupção humana, uma das idiossincrasias do exercício do poder, a democracia, quando inclusiva e participativa, pode ser considerada como um exercício saudável de construção de direitos e deveres humanos. Ressalta-se que o problema nunca está na forma de governo, no sistema ideológico que defende. Mas na cleptocracia que se instaura para a sua manutenção.

Quando unem plutocracia e teocracia, raramente há algo além do que uma cleptocracia institucionalizada, na qual a hipocrisia impera em detrimento da miséria e fome de seus súditos ou crentes, sempre fiéis depositários de uma esperança inócua. Por detrás de uma  suposta democracia ou monarquia onde tais elementos se fundem e mesclam-se no senso comum dos concidadãos, tem-se a certeza de que a paz dos estúpidos só é conquistada através da ditadura.

Na modernidade - e há de se reavaliar o que tal termo define ou a qual situação remete -, as incoerências ideológicas fogem ao mínimo da racionalidade e não definem sequer um padrão digno de confiança jurídica ou institucional.  Mais que isto, nem mesmo a academia, com sua milenar produção de conhecimento histórico-sociológico consegue explicar adequadamente a realidade catastrófica na qual o mundo - supostamente globalizado - se encontra.

“Ou socialismo, ou barbárie!”, frase redutora de todos os entendimentos e proferida por uma das mártires do anti-nazismo (Rosa Luxemburgo), nos remete a questionamentos seculares e ao consolidar da barbárie enquanto modo de controle e gestão social. É esta a sensatez dos estúpidos!

Uma sensatez que permeia o pensamento econômico que se mantém através do bélico. Afinal, nada mais lucrativo do que o descartável. Do que lançar um míssil de um milhão de dólares e ter repor outro novinho em folha. Independente, é claro, dos danos diretos e colaterais. Danos estes que se representam, à exceção das vidas humanas ceifadas e/ou destruídas em suas identidades sócio-culturais e étnicas, por um ato de libertação e reconstrução por aqueles mecanismos que os destruíram, normativamente por fatores econômicos e de exploração de riquezas, ou meramente estratégico de contenção de seus concorrentes, nunca adversários. Este cenário, há de se ter a prudência de esclarecer, só é rompido quando contratos são quebrados unilateralmente. Ou seja, as primeiras e segundas guerras nunca foram ideológicas. Foram econômicas e causadas por rompimentos contratuais que prejudicaram, e muito, povos e nações.

Ascensão de tiranos ao poder geralmente não se dá por questões ideológicas. Não se trata necessariamente da forma de governo ou do sistema econômico. Trata-se de uma elite que se vê acuada diante das demandas sociais, políticas e econômicas que sua concentração de renda e poder causam ao povo que a sustenta, e teme, por conseqüência, perder seus monopólios.

Associada aos plutocratas de plantão e aos meios de comunicação de seu tempo, propagam o pânico e o terror: incentivam o canibalismo intra-social entre as classes média e baixa. Com argumentos de cunho ético e moral, promovem a extinção das minorias e opositores ao regime, impondo-lhes a responsabilidade dos desvios de condutas e catástrofes econômicas que trouxeram o caos, onde antes – afirmam: havia a ordem e o progresso. O que é completamente falso, pois o caos é produzido para que assim a elite governante possa exercer com plenitude todos os desmandos e legislar em benefício próprio.

Como raras são as nações que alcançaram uma pujança social-democrata representativa dos interesses de seu povo, ou mesmo um socialismo de coalizão e co-responsabilidade estatal, o fato é que o povo, este algo numérico, muito mais demográfico e figurante de estatísticas cada vez menos confiáveis, tornou-se apenas um insumo econômico. Uma matéria prima abundante, que tolhida em suas necessidades básicas, tende a encontrar no que julga o forte, o lenimento de suas fraquezas, suas inapetências, incompetências e limitações. Toma-se por dependência o que lhe seria de direitos humanos universais.

Em grande parte do globo há o imperar das desigualdades. A corrupção humana é algo inerente àquelas sociedades onde não há respeito aos direitos humanos, mas não uma exclusividade destas. É uma questão ética, na qual o conceito moral varia de acordo com a cultura de subsistência de cada povo-nação. É notório que nações submissas ao autoritarismo são plenamente corruptas. Onde há excesso moral ou fundamentalismos de ordem religiosa, a elite é corrupta e corruptora. Logo, a corrupção é um ato cultural. Observa-se em grande monta na América Latina e no continente Africano uma generalização, senão a banalização, do ser corrupto.

Há países onde nada se realiza institucionalmente nas esferas pública ou privada que não seja objeto de sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, peculato, fraudes de todos os tipos, e, fruto nefasto deste sistema, há a seletividade jurídica quanto à responsabilização por danos ao erário e/ou a impunidade pura e simples dos agentes políticos e corporativos que lesam a pátria. Semideuses da atualidade juízes e políticos tornaram-se extraclasse.

Tal raciocínio e comportamento, algo muito mais elaborado no presente dos fatos e fotos, mas que possui a sua origem na Antiguidade e sua estruturação na Idade Média, formatou o Absolutismo e transcendeu aos tempos modernos pavimentando o teocrata capitalismo selvagem como uma vontade divina, onde - não raro – há a idéia de que o poder do mandatário o foi concedido por graça divinal, através da confiança depositada por seu povo no sufrágio universal, quando o há, e não por uma escolha de interesses peculiares aos que lhe são pares ou patronos.

A sensatez dos estúpidos é abominável. É ela que nos garante a supremacia da injustiça e a eternidade da ignorância.

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