domingo, 17 de maio de 2020

O Estado das coisas



Igor Koldhish

A concepção de Estado é tão relativa quanto os aspectos referentes à territorialidade. Supostamente, o Estado seria o universal, que por jurisprudências regularia a sociedade circunscrita a algum território, cuja representatividade soberana expressar-se-ia através de sua Carta Magna, e que, por consequente ato Legislativo, representaria, em primeira instância: as garantias fundamentais de seu povo e o como tais, as relações sociais, políticas e econômicas ali existentes e conflitantes entre si, posto sempre haver o contraditório em face aos interesses que se defendem e o como isto se revela no anseio, não popular, como assim se julga, mas das classes dominantes, como de fato o é.
Da mesma forma que as fronteiras físicas são hipóteses de conjunto, e não o conjunto em si, Estado e Pátria não são necessariamente a mesma coisa ou se prestam aos mesmos interesses. 
Sendo assim, a Pátria, algo mais relativo ao lugar de nascimento ou adotado por uma civilidade, refere-se aos viventes que se reconhecem filiais aos interesses e valores e princípios deste lugar, unidos por uma mesma língua e costumes culturais, independente de lá coabitarem.
A Pátria faz parte do homem, mas é sua escolha ser ou não patriota. A Pátria judaica, por exemplo, é Israel. Não há outra Pátria para o judeu. Independente do Estado Nacional em que tenha nascido, sua Pátria é Israel. Seus valores e princípios ideológico-políticos e culturais são judaicos e é ao Estado de Israel a quem presta serviços e contas.
Ainda que sujeitos às regras institucionais e jurídicas de convivência ética e moral promulgadas por um determinado Estado, há de se ter em mente as limitações territoriais deste mesmo Estado e sua Soberania Executiva. Caso entendêssemos melhor tal circunstância geopolítica, talvez encontrássemos na geografia humana uma amplitude sensata ao termo Soberania, algo muito questionável na realidade dos povos e nações.
Não obstante, tendo então na inexistência do Estado a figura do Judiciário, que deveria, por regra, buscar o entendimento entre os povos em sua relação intra e extrafronteiras, este seria, por ventura, o fiel da balança entre a igualdade necessária e a equidade exequível.
Fato é que tal atribuição foi deixada à cargo da Economia. Logo, para além da inexistência do Estado, seja ele uma suposição jurídica ou territorial, há, na modernidade, ou apenas uma constatação histórica, a inexistência da justiça. Ao menos alguma não atrelada aos interesses da classe dominante global.
Ao adentrarmos o século XXI descobrimos a total ausência de eficientes modos e instituições de controles econômicos, sociais e políticos capazes de garantirem a sobrevivência humana por longo prazo.
No âmbito econômico, o capitalismo demonstra sua voracidade genocida, que gera impérios de concentração de renda em detrimento de 2/3 de famigerados. Porém, as demais formas de sistemas também não foram, até agora, capazes de responderem às demandas crescentes das necessidades básicas humanas. A Social-democracia tem sido um alento, mas carece estrutura universal.
A China, em sua total falta de transparência, e 1,2 bilhões de proletários e 100 milhões de burgueses, não responde muito bem enquanto modelo de justiça e equidade social. Os Impérios pseudodemocráticos, muito menos. Talvez uma comunidade aborígene do Centro-África entenda mais de economia global e justiça social do que grandes nações.
Tanto a Democracia quanto o Socialismo encontram-se - no campo das ideias - no mesmo patamar da Anarquia: válidos enquanto utopias.
Apenas o Fascismo e suas sombrias vertentes obscurantistas encontra o devido respaldo e farto ambiente no capitalismo, ainda que seja desnecessário querer impor caráter humanitário no campo ideológico-político determinado por lateralidades simbólicas: Extrema-direita e extrema-esquerda são a mesma coisa. Não há diferença alguma entre facínoras.
De mesmo modo, e acompanhando a lateralidade: Direita, Centro e Esquerda, são muito mais fisiologismos do que ações políticas que contestem a realidade da precariedade social e econômica dos povos em si.
Ao apelarem ao inexistente Comunismo, algo a ser encontrado de fato no compêndio das ignorâncias humanas e refutado pelo cristianismo - base filosófica da partilha universal dos bens, expõem-se a hipocrisia. Ou, no mínimo a incoerência entre o pensado e o realizado.
Afinal, a crucificação é pena capital, não ato libertário. Ressurreição, é carente de presentes e futuros; reencarnação, falta-lhe a lógica sistêmica, memória histórica e censo demográfico pregresso; enfim, falta à cristandade a consciência social de ser estar no mundo para além da culpa de fazê-lo insano.
Diante de, as religiões em si, não vão tão além disto. E são, em monta, não lenimento ao espírito humano, mas látego. Pensar e realizar o pensado requer esforço demasiado em prol da justiça social e equidade educacional, distribuição qualitativa de bem estar e seguridade. Pessoas famintas padecem, morrem. Não possuem espiritualidade nem forças para lutar contra o que ou quem quer seja.
Neste contexto, a Bíblia, portanto, é apenas um resumo da história de um povo em busca de libertação de sua própria ignorância, de sua miséria, de sua fome. É a formação da identidade de um povo sob o prisma de um suposto deus nada gentil para quem quer seja, e no caso da fundação do cristianismo: adúltero e pedófilo. Muito mais a representação de nossas iniquidades, condenáveis no âmbito humano, por que deveríamos aceita-las no campo das divindades? E, mais, que patético é este deus que tendo criado o universo, daria a garantia de domínio universal à apenas uma única etnia? É muito, até para quem acredita em destino manifesto. Não há salvação alguma neste suposto deus. E não só os judeus sabem disto.
Ao considerar Estado, este manicômio estrutural, idealizado e programado para a submissão do homem às regras que não lhe cabem julgar, mas cumprir, cabe às religiões o ato de contrição: foi Deus quem quis. Diga-se: desde a Idade Média, não há poder mais significante. Porém, repugnante.
O Islã, tão condenado pelo ocidente, é temível. Porém, não menos brutal que as demais religiões. Não menos alienante que as demais. Não menos conflitante do que qualquer outra. O Budismo, talvez, o menos nocivo à saúde intelectual humana, também é uma forma de poder. E o exerce de forma econômica como qualquer outra.
Nada, em termos religiosos e políticos, é mais seguro do que encontrarmos no outro a imagem e semelhança de nós próprios. O contrário, o diferente, nos ofende, tanto quanto a sua liberdade de pensar e agir fora de nossos padrões tão bem pré-estabelecidos.
Ao determinarmos padrões, por si só: excludentes, determinamos a matriz da desigualdade: criamos os processos de seleção: firmamos os contratos sociais e os delimitamos aos quais se aplicam as regras que, por razões consuetudinárias, queremos que sejam descumpridas, e, aplicar-se-á a lei sobre todos aqueles que - exclusos de antemão - não fazem jus ao beneplácito da liberdade imposta.
E, é neste sentido em que o Estado torna-se algo impalpável. Torna-se impossível ao senso comum prever qual será sua dimensão.
Por um lado, há a necessidade dele, do Estado representativo, de consolidar direitos inalienáveis da humanidade, seria sua virtude. Para tal é necessário educar:  conceber a liberdade de pensamento e criação humana enquanto fundamento para a realização de justiça e desenvolvimento humano.
Por outro lado, é exatamente isto que o que lhe tolhe, ao Estado, o amplo espectro de domínio, pois a crítica requer domínio de si, autonomia, autocracia: ciência: consciência de si e do mundo ao redor. Valorar o outro. Aceitar o outro em suas dimensões. Ter senso de comum. De rés pública.
E isto, em uma sociedade maquiavélica, erguida sobre “o tudo a qualquer preço”, a sociedade do ganho em si, é impossível.
Logo, não tendo como perder sua representatividade, que é seu ganho, perde-se a sua necessidade de garantir direitos inalienáveis da humanidade, voltando-se apenas para a autossubsistência de seus inequívocos processos de dominação, quais sejam: a corrupção sistêmica e o terror e o pânico generalizados.
Entende-se que o Estado, portanto, é um componente virtual da sociedade. Não real. Reais são as consequências desumanas criadas a partir de sua não mediação de conflitos, de sua tendência voraz em transformar o bem público em uma extensão do bem privado, razão mor de determinadas correntes políticas.
Ao não exercer a moderação, a probidade, que se expressa em políticas de Estado e não de governos, desfaz-se, em nome do mal comum, a solidez, a liquidez econômica de nações inteiras em função de poucos e seletos grupos e conglomerados empresariais e financeiros. Não mais que 100 famílias ao redor do globo.
É um Estado de coisas, para coisas, por coisas. Inumano, apenas. Logo, inexistente per si.

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