domingo, 22 de novembro de 2020

Sobre a estupidez humana

José Dias


O mundo nunca foi um lugar muito cordial, humano. Na verdade, a história humana é deprimente. Quando avaliada a questão racial, ela é tenebrosa. E aqui há de se traduzir a expansão de raça por etnia.
Há de se entender um conceito darwiniano, no qual matamo-nos uns aos outros; a antropofagia é a única coisa que, perene, remonta ao pré-histórico; enfim, devoramo-nos desde sempre.
Na modernidade de nossa infinita estupidez chegamos ao canibalismo intra-social.: pobres devorando pobres.
Os tubarões devoram-se de forma mais educada, formalizada em fatores econômicos e financeiros, através de políticas estruturais e acordos transnacionais e, ainda como outrora, alianças de conveniências. Raramente temos casos de seguranças de supermercados asfixiando alguns deles, embora muitos merecessem a crucificação em praça pública. Mas são questões de valores greco-romanos e que remontam à antiguidade.
Portanto, seria pedir demais que a civilidade greco-romana nos amparasse em algo mais que a escravatura ou a redundância bélica sobre a qual se firmam a produção e o Estado.
Nós, como todos sabemos, evoluímos, mas ainda não saímos da Idade Média.
A estupidez humana é a única coisa universal. E vasta, ela nos devasta: nos elabora de forma comum, nos consome e nos sepulta em valas mais do que comuns, cotidianas e de profundo desprezo ao bom senso.
Mais que isso: a estupidez humana evolui. Possui a inacreditável capacidade de ressuscitar os piores valores e princípios dos quais, com suprema diligência e muito sangue derramado, já deveríamos ter nos redimido. Mas não. Infelizmente, para alguns e não poucos, são exatamente estes valores e princípios abomináveis que sustentam a sociedade dita civilizada.
Não há de se admirar do porque Jesus Cristo é o único socialista ícone da direita: os Evangelhos são um prato cheio de esperanças para os estômagos vazios. E, óbvio, tornaram-se a alegria dos hipócritas e fariseus, déspotas esclarecidos da modernidade. Mas como a estupidez evolui: nós, como todos sabemos, estamos completamente imersos no Velho Testamento, aguardando a vinda de algum salvador.
Ele não virá. Lamento.
Enquanto isto, vamos nos devorando.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O amanhã que queremos. Ou não? (Partes I e II)

 

O amanhã que queremos. Ou não? (Parte I)

José Dias

Nota introdutória: aqui apresenta-se um cenário, não verdades absolutas. N.A.

Diante de um mundo que se divide entre os interdependentes e os subservientes, onde já há muito impera a ilusão coletiva de uma humanidade evoluída e próspera, tendo por certo a ruptura dos conceitos de classe até hoje elegidos como fundamentais para o entendimento ideológico-político dos conceitos econômicos, há de se questionar: quem seremos a partir da metade deste século?

 Apesar de um século nos separar da Revolução Socialista, e termos em Leon Trotsky um norte acerca da Revolução Permanente, onde as classes trabalhadoras alcançariam o domínio social, político e econômico mundial através da consciência de si e de sua relevância na composição do valor econômico das riquezas produzidas, ou seja, a mais-valia que Karl Marx tanto esmiuçou, mas que em Trotsky toma o entendimento superlativo de luta de classes e na qual não há como haver entendimento entre elas, pois a burguesia é dona do poder e o proletariado é a sua fonte primaz, observa-se que:  sendo, neste contexto, a política estrutural vigente através de partidos, apenas um instrumento burguês de reformas de um estado medieval de valores e princípios inumanos, sempre reproduzidos na forma capitalista de ser e chancelados pela religiosidade imperante, criou-se uma esfera de suposta importância messiânica de cada indivíduo sobre as reais necessidades coletivas.

 Não obstante ao fato de que todo opositor carrega em si a necessidade de seu oposto, capitalismo e socialismo justificam-se um ao outro, não havendo, no entanto, interação quanto ao fator humano. Não há de se questionar as diferenças existentes entre as diversas formas de capitalismos, nas quais pode-se inserir as correntes deformadas dos socialismos implementadas no século passado, e que redundaram no presente enquanto meras ditaduras.

 Da mesma forma, a democracia não respondeu ás diversas demandas sociais seculares, anteriores ao colonialismo e agravadas no pós-segunda guerra. Mas, por ora, considerando-se que na realidade há mais “ditaduras-democráticas” do que socialistas, e que a concentração de renda é um obstáculo ainda maior do que a concentração de poder político aos princípios expostos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a democracia é uma possibilidade de governança cujo entendimento da corresponsabilidade de produção de equidade entre povo e governo ainda carece de basilares.

 A democracia deveria valer-se exatamente da gestão das diferenças em prol do bem comum. Ainda que as diferenças de classes sejam notórias mundo á fora, e nos supostos socialismos possamos averiguar alguns mais vermelhos do que outros, não por caráter ideológico, mas gradações de suas misérias ocultadas por suas políticas de Estado, são nas democracias capitalistas onde residem as maiores contradições, as maiores injustiças, as maiores desigualdades.

 Há quem justifique os ditadores e os considerem homens voltados ao bem pátrio, no entanto, a história os contradiz; há quem justifique os imperadores, afirmem sobre sua estabilidade representativa, sobre a capacidade de um império sobrepujar e conquistar o outro, mas todos fenecem diante da escassez ou grandiosidade; há quem justifique a democracia, mas ela é também um reflexo de uma utopia republicana; há quem justifique o socialismo, mas por ora ele é apenas um moribundo a questionar por quês outrora respondidos.

 Incrivelmente, ninguém justifica o povo, o trabalhador, o operário, o agricultor. Nem mesmo eles próprios. Tamanha a ilusão criada e reproduzida ao logo de milênios que a maioria dos pobres não se reconhecem enquanto sua real circunstância; sequer questionam a reprodução de suas misérias; afinal, por que existem?

 O fato de que pessoas famintas não fazem revoluções já é uma das respostas passíveis de aceitação. Mas as piores são as iludidas: a suposta classe média, que pensa que é rica, mas que pobre é, e, portanto, crê que não faz parte dos pobres e miseráveis do mundo, não se vê como proletariado, mas signatário de um destino manifesto de riqueza e poder, opulência e valor, logo, não se apercebe de sua subserviência à verdadeira burguesia.

 Essa, a burguesia verdadeira, cujo poder individual representa-se por uma fortuna pessoal superior ao PIB de muitos países, não está nem um pouco preocupada. Quanto mais pessoas acreditarem que há esta esperança meritocrata embasada no empreendedorismo, seu sucesso financeiro e sua capacidade de engolir mercados estarão sempre em expansão. Tamanha a desenvoltura das dinastias renascidas e criadas no pós-segunda guerra mundial, que não satisfeitos com o brutal acúmulo de riqueza, hoje, devoram Estados-Nações, o que no século XX conquistou-se através da expansão bélica, no presente se consolida com a total dependência tecnológica de 2/3 do mundo.  

 Neste sentido, eis a contradição: quando verificamos a fome e a miséria no mundo, onde 2/3 da população mundial sobrevive em condições de carestia, nota-se que há algo de errado, e está para além da distribuição de riquezas e/ou fim da desigualdade social. É bem mais que isto.

 Na medida em que verificamos em pleno século XXI um saudosismo nazifascista de ultradireita, acreditamos também que falimos enquanto sociedade. Quando verificamos sua instauração enquanto forma de governo em alguns cantos do mundo, temos a certeza.

 É neste cenário em que chegaremos em Marte antes de chegarmos a algum consenso sobre quem somos enquanto humanidade e quais as prioridades universais a serem estabelecidas e alcançadas a médio prazo, uma vez que as Metas do Milênio foram simplesmente destroçadas a partir da ignorância de nossas realidades.

 As tecnologias da informação de quinta geração, a infomecatrônica, a robótica e a inteligência artificial definem uma nova era. Há uma nova linguagem a ser aprendida, porém não universalizada. As relações de trabalho, empregabilidade, assalariamento e renda sofrerão um impacto gigantesco, justamente – e nada há de coincidência – quando 60 a 65% da população mundial se encontrará em terceira-idade.

 Estima-se que se na atualidade a população econômica ativa seja representa por estratos de 30% da população (2,1 bi), e que há um desemprego generalizado que atinge 15% (1,05 bi) da população mundial, representando, em média, 50% do referido estrato, e que somado ao desalento 20% (1,4 bi), ou seja aqueles que desistiram da empregabilidade e se sujeitaram ao ”empreendedorismo moderno”, isto é: subemprego ou algo que beira a escravidão ou a escravidão em si, e que não entram em estatísticas consolidadas, ou seja, não entram nos cálculos da População Economicamente Ativa (PEA) enquanto desempregados, chegamos a algo no entorno 2,5 bilhões de pessoas em situação de risco sócio-econômico e, logo, dependente de políticas públicas de garantias de direitos. Isto, hoje, outubro de 2020.

 Há a percepção de que a Pandemia de Covid-19 que nos ocorre neste momento e que deve perdurar por mais um ano ou até que haja uma imunização eficiente e segura, o que irá ocorrer de forma desigual mundo a fora e continuará impactando as economias por mais dois a três anos ou mais, terá reflexos importantes no cenário futuro, forçando a antecipação da introdução das novas tecnologias (tecnologias da informação de quinta geração, a infomecatrônica, a robótica e a inteligência artificial) de modo a reestruturar toda a cadeia de produção e consumo.

 Observa-se que neste cenário - que se estabelecerá em uma década, não haverá espaço para empregabilidade plena e nem para os “seres improdutivos”, algo já estrutural. Idosos e deficientes, bem como pessoas de baixa escolaridade terão grandes dificuldades, maiores que as já existentes, para a própria subsistência.

  

O amanhã que queremos. Ou não? (Parte II)

José Dias

 Acaso no presente não sejam tomadas providências em nível mundial para que se estabeleçam mecanismos de proteção e garantias fundamentais à dignidade humana, não haverá futuro algum para a humanidade.

 O distanciamento entre as nações produtoras de tecnologias e aquelas que apenas as absorvem em seus refugos tende a aumentar de forma escalar e continuada. Os países centrais, embora travem batalhas no âmbito de proteções aos seus interesses corporativos e de manutenção de suas estruturas produtivas, com o avanço em proporção geométrica das tecnologias de controle autônomo, encontrarão dificuldades extremas para a execução orçamentária de políticas públicas voltadas para o bem-estar social, dada a concentração de capital financeiro em volatilidade, não havendo uma seguridade capaz de alcançar uma distribuição de renda e de serviços públicos de forma homogênea.

 Com o aumento desta distância entre as nações, que já é notada e onde os conceitos de “vocação” e “destino” são aplicados como reprodutores de conflitos políticos internos e justificativas para as misérias excludentes – materiais e imateriais, o futuro previsível para o longo prazo é o de um controle absoluto sobre produção e consumo, podendo-se afirmar que ao fim da década de 2040 a geopolítica mundial estará completamente redesenhada.

 Na atualidade esse redesenho começa a se firmar, criando-se no controle financeiro e pecuniário das transações comerciais via sistemas eletrônicos de pagamentos uma prévia das interfaces que poderão ser adotadas. É possível crer que o papel moeda não deixe de existir, mas sua circulação será em muito reduzida e onde a tecnologia não chegue. Outra possiblidade é que se tenha uma moeda mundial, específica para a computação destes valores virtuais. Ou seja, um padrão para a sua existência e controle, garantindo os fluxos das transações internacionais.

 Mas este novo mundo, tão maravilhoso para alguns entusiastas, será também um mundo de sérios confrontos entre o progresso virtual e a realidade concreta. Os desafios presentes de segurança, saúde, habitação, transportes, educação são demandas universais e embora encontrem nas novas tecnologias grandes aliadas, são resultados da empregabilidade, do assalariamento e das rendas das pessoas.

 Políticas tributárias que tragam a equidade fiscal e que permitam uma estabilidade na produção e manutenção de postos de trabalho, acompanhadas por políticas salariais que sejam efetivas e garantidoras do bem-estar familiar são uma urgência global.

 Em tese considera-se que o ganho de U$100,00 (cem dólares) por dia seria o mínimo para esta garantia, sendo uma per capta de U$25,00 por pessoa/dia a renda mínima que possibilitaria o mínimo de dignidade humana ao trabalhador.

 Quando avaliada a acessibilidade ao bens e serviços de forma ampla e que atenda a todas as necessidades familiares estima-se que o assalariamento mínimo ideal seja na ordem de U$242,00 (duzentos e quarenta e dois dólares) por dia ou aproximadamente U$30,00/h para uma carga horária de 8h/d. Observa-se que em um mundo tão desigual, o ganho diário de um trabalhador médio norte-americano é equivalente ao de um mês inteiro de trabalho para a maioria dos trabalhadores na América do Sul, por exemplo, havendo outros lugares onde o valor diário não atinge um dólar per capta sequer.

 O desenho geopolítico futuro é uma abstração tanto quanto a possibilidade de algum controle absoluto sobre a economia global. A nova colonização cibernética permite a criação de um mundo paralelo onde a improdutividade é um fator de alienação econômica. A inconcretude deste ambiente, onde evoluímos da pós-verdade para a não verdade,  é um campo necessário à sua própria existência.

 É um sistema exclusor onde ao pensar-se incluso, vive-se na ilusão da pertença. Porém, sob o risco iminente de contrariadas as expectativas individuais – de verdades e mentiras tão frágeis ao duro e cruel realismo do cotidiano – contraria-se o coletivo, dotando-se de novas “perspectivas” acerca de um mesmo fato.

 No caso, e exemplos não faltam, ao determinarem uma guerra entre China e EUA acerca do domínio da tecnologia 5 G, ignora-se que ambos buscam o mesmo objetivo: o controle e a subserviência das economias periféricas, a consolidação de suas dependências tecnológicas e, por consequência, o livre acesso às suas riquezas, sejam elas naturais, materiais, imateriais, enfim. O que se deseja é a subsistência de si mesma enquanto potência, a baixo custo e grande lucratividade.

 Tudo não passa de cálculos de custo x benefícios de longo prazo. E, no esclarecer de suas ambições, partilham entre si dos espólios de suas pilhagens, não havendo de fato a guerra. Apenas excelentes planejamentos e execuções discretas benfeitas.

 Não há corrupção sem corruptores e corrompidos, e, óbvio, a conivência dos povos que os admitem. Há alguns povos que os idolatram. Há nações que sem a corrupção institucional e a dependência desses, simplesmente não sabem o que fazer com sua liberdade. Afinal, ser livre é ser responsável por si. Por suas escolhas, seu destino. Não há, portanto, crise de liderança. Há apenas ausência de caráter.