segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A Palestina de cada um de nós


José Dias

  

Nenhuma definição de guerra supera a límpida e objetiva declaração atribuída a Herich Hartmann, o maior ás da aviação de caça de todos os tempos: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.

Metrópoles estão sitiadas ou tomadas pelo crime organizado: cada nação possui uma Faixa de Gaza para chamar de sua.

Ser cristão é um engodo teológico. O deus tirano do Antigo Testamento se prova indestrutível. Melhor crer em Ares. É mais justo! Hoje, neste exato momento, dois bilhões de pessoas são afetadas por conflitos armados. Estima-se que quinhentos milhões sejam refugiados, exilados ou apátrias.

Não sabemos ao certo quantos morreram tentando fugir, sobreviver. Estima-se que 50 milhões seja um valor aceitável, por suposto, face ao gigantismo da tragédia global e a total insignificância da vida humana.

A verdade é que a Segunda Guerra Mundial nunca acabou. Foi pulverizada. Criou-se a guerra por mandato ou procuração: Coreia, Vietnã, Eritréia, Mali, Sudão, Angola, Congo, Burundi, Uganda, Afeganistão, Somália, Libano, Síria, Irã, Iraque, Líbia, Costa do Marfim, Nigéria, Síria, Guatemala, Haiti, México, Brasil, Ucrânia e tantas outras palestinas...

 

No Brasil, por exemplo, em um ano, a guerra - cotidiana e centenária - mata mais do que a guerra na Síria, em uma década. Mas, há quem diga que é a pátria do evangelho. Procuro entender. Mas não encontrei em parte alguma do Novo Testamento o bendito versículo do “Matai-vos uns aos outros”, tão em voga.

Cada guerra possuí sua peculiaridade. Todas são estúpidas. E, principalmente: genocidas. Tanto faz se ela ocorre entre a dona Joana e seu Joaquim: um dos dois será exterminado. Geralmente, as joaninhas. Por melhores que sejam! O feminicídio global é, também, um restolho de nossas palestinas diárias.

Mas o horror palestino não nos afeta tanto quanto a ignorância ucraniana. E isto é um grande problema. A guerra de procuração da Ucrânia é uma guerra contra a China. A guerra do Hamas, é pela sobrevivência de um povo, de uma nação, uma identidade.

A aberração, pós holocausto sofrido na Segunda Guerra Mundial, da criação de um Estado judaico em terras palestinas, que segundo a ancestralidade, pertencia a outros povos, que foram massacrados pelas guerras de conquista por ocasião fundação do reino teocrata judaico, não está sequer na ignorância do fato em si, mas do holocausto promovido por aqueles que um dia o sofreram, para a expansão de seus territórios: são oitenta anos de massacre diário do povo palestino, este a lutar com paus e pedras contra uma potência militar e econômica de abrangência global! E mais!!! Um povo esquecido, tratado à revelia do destino, fadado à extinção.

Óbvio, que não é justo.

Neste momento, Benjamin "Bibi" Netanyahu está sorrindo. Muito feliz! Afinal, ao dizimar o Hamas, acaba o Estado Palestino, que por oitenta anos apela por integridade, decência, justiça, equidade, paz! Algo jamais permitido pelos interesses anglo-sionistas e cuja negligência endossada pela omissão dos povos.

Há quem diga que a guerra da Ucrânia seja relevante. Ela é apenas indecente. A guerra palestina é uma Guernica centenária, porém árabe.

 

 

 

 

 


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Tchau, querida! Ford do Brasil 1919 – 2021

 

Thiago Augusto Arcanjo Madeira Leão

 

Ao acordar na segunda-feira da segunda semana de 2021, 11 de janeiro, o Brasil se redescobre em primórdios do século passado. Tanto quanto aos disparates de sua ignorância – algo que assustadoramente não preserva classe social, etnia ou gênero, e muito menos espiritualidade; tanto quanto aos afrontamentos e enfrentamentos necessários para sua própria subsistência enquanto soberania nacional. Enfim o golpe de 2016 começa a surtir os seus efeitos nefastos.

 

O “tchau, querida!”, mote sarcástico-amoroso que selou a era Lula/Dilma, o dito Lulapetismo, e chafurdou a história de uma social-democracia possível em um mar de lodo e lama sem par, e elevou ao poder o que há de mais pernicioso nas esferas de governança, agora nos serve de mortalha.

 

Sir George Canning, Primeiro Ministro britânico (1827) declarou um dos mais conscientes conceitos de Estado: sem tesouro, sem lei! Ou pagam impostos, ou inexistimos! Ao que Margareth Thatcher, o cão chupando manga do conservadorismo britânico asseveraria em 1979: o que sustenta o Estado é o imposto, logo, governo algum pode pensar em favorecer minorias em detrimento de maiorias; o trabalho depende da dignidade da vida que ofertamos através de nosso assalariamento; e a empregabilidade depende de nossa capacidade de produção e apropriação de conhecimento: educação, ciência e tecnologia. A garantia de renda é fruto da estabilidade e da continuidade de políticas sérias que promovam o desenvolvimento econômico com seguridade social de amplo espectro.

 

Em 1988, ao promulgarmos a nossa Constituição Nacional, havíamos alcançado - diga-se: a duras penas! - algo até então não visto por aqui: uma Carta Magna digna de universalidade, com consciência de garantias de direitos, corresponsabilidade de deveres e independência entre os poderes.

 

Quiséramos que a classe política e demais atores da governança tivessem-na enquanto normas a serem protegidas e, assim como nas nações desenvolvidas, a promovessem ao status de evolução contínua na defesa dos interesses pátrios. Mas não. O que se viu durante os trinta anos que se seguiram foi seu sistemático desmonte.

 

Não que as leis e seus processos sejam estáticos. Não. A lei e os processos caminham ao lado do consuetudinário, provendo as relações sociais, políticas e econômicas de basilares para o exercício da vida em comum de uma sociedade minimamente constituída.

 

Quando determinadas regras básicas e de bom juízo são ignoradas, na razão de Estado, há a constituição de extraclasses e categorias privilegiadas, que uma vez protegidas pelo arcabouço jurídico e institucional, jamais abrirão mão de seus privilégios.

 

O resumo da ópera, no caso brasileiro, é algo surreal. O Brasil é uma monstruosidade de proporções escatológicas. É bizarro!

 

O custeio do Congresso Nacional é da ordem de 15 bilhões de reais anuais; a máquina pública em si, Executivo, Legislativo e Judiciário, nos custa 5,3 trilhões de reais por ano, aproximadamente.

 

Mas a eficiência e a eficácia desses na defesa de seu povo é extremamente duvidosa. E tal sentimento é impregnado por todos os entes da federação, sendo a corrupção uma forma institucionalizada de governo. Da municipalidade ao estadual, deste ao governo federal não há sequer uma Câmara Municipal ou Assembleia Legislativa que não esteja compromissada com alguma ilicitude, com projetos escusos e de defesa de interesses pessoais ou corporativos, sejam estes regionais ou nacionais.

 

A propina é a regra, não é uma exceção. O toma lá dá cá entre políticos e membros do judiciário; a conivência das receitas federal, estadual e municipal com a ilicitude da sonegação e evasão de divisas de corporações nacionais e transnacionais, bem como de eminentes pessoas físicas abastadas, formatam o modo de gestão nacional na qual permutam-se o imposto, as taxas, as multas, as contribuições sociais em isenções, perdões e anistias, tornando a inadimplência garantida de impunidade.

 

Tais fatos, que não carecem de grandes alaridos, posto serem desvelados sem pudor algum, e que fazem parte de uma cultura estrutural desde a época colonial, mas que atravessou o império e se perpetuou nas dinastias republicanas do século XX e sua oligarquia escravocrata rural, estas que jamais permitiram o desenvolvimento técnico e industrial nacional por estarem vinculados aos interesses de outras nações (plantations, extrativismo, mineração e commodities), são, de longe, os fundadores e perpétuos zeladores e reprodutores da desigualdade social e econômica nacional.

 

Os problemas centrais da urbanidade: infraestrutura e saneamento básico; mobilidade, acessibilidade e transporte público, são as fontes infinitas de recursos para o enriquecimento ilícito. Saúde, Educação e Habitação tornaram-se um anteprojeto de segregação e seletividade: uma higienização social estruturada e de grande envergadura e cada vez mais autossustentável.

 

O Brasil é o único país no mundo em que as perdas de garantias de direitos universais é comemorada em via pública por aqueles que sequer tiveram ou tem acesso ao jardim da infância.

 

Mas pode ser pior!

 

O Brasil é o único país (supostamente) democrático de fato e de direito no qual “patriotas” se prestam a ir às ruas para exigirem um regime de exceção, sem sequer saberem escrever exceção, e que tal regime não só emagrece, mas também mata.

 

O Brasil é o país aonde 99% da população se declara cristã e é considerado por muitos a pátria do evangelho, mas elege para presidente um entusiasta da tortura, de caráter tortuoso e de ligações extremamente suspeitas com indivíduos mais suspeitos ainda. Um contumaz homem de famílicias disposto a tudo na defesa de seus entes amados, familiares e amigos. Incrivelmente, sobrevive em plena campanha desde sempre, não tendo tempo para governar com decência e probidade, denodo e senso de dever que a liturgia do cargo lhe confere.

 

Enquanto Executivo, 200 mil mortos por uma pandemia que poderia ser minimizada com bom senso; boas práticas de civilidade e higiene; bons exemplos; centralização de operações e custeio; conciliação política; seriedade e equidade econômica; e, principalmente, empatia para com seus enfermos e enlutados, denota a sua eficiência enquanto executor. Não bastassem tais ignorâncias, ou seja, nada ter de fato realizado no combate efetivo à pandemia, vivencia-se mais um drama: mais do que a politização da pandemia, a reedição de campanhas antivacinas e teorias conspiratórias de outrora, catapultadas no agora via redes sociais e seu universo maravilhoso de não verdades: as fakes-news! Realmente: o Brasil não é para amadores! Ele possui 30 e poucos anos de muita experiência em negar até a própria existência.

 

É neste caótico cenário em que a Ford do Brasil encerra as suas atividades de produção no país. Mas não. Não nos deixemos enganar por aparentes justificativas ou desculpas. O quadro atual apenas oportunizou uma saída estratégica há muito estudada e que se fez conveniente no agora. As incertezas (?) acerca do futuro social, político e econômico brasileiro são fatores relevantes, mas não determinantes.

 

Quando afirma-se que quando alguém propõe perdas de garantias de direitos em nome de empregabilidade, assalariamento e renda, nega ambos, é este o contexto resultante: nem um, nem outro. Pois o que se oculta ou nega-se é o senso de realidade da responsabilidade inerente ao desenvolvimento social, ofertando demasiadas benesses aos supostos entes produtivos, estes cujos acentuados avanços das novas tecnologias de produção – infomecatrônica, mecanização e mobilidade autônomas, robótica, inteligência artificial, e outros – requerem cada vez mais capacitação profissional especializada, porém oferecendo cada vez menos postos de trabalho, e, óbvio, dada a demografia e as questões geopolíticas, achatamento salarial global devido ao poder de barganha do capital industrial e financeiro.

 

Neste ponto, é mister entender que não apenas a Ford do Brasil está indo embora, mas outras empresas seguirão no curto e médio prazo o mesmo caminho.

 

Mais do que uma reengenharia universal das empresas para se adequarem ao cenário futuro de plena automação e tecnologias de informação e controle de alta performance, há a questão central do capitalismo: sem lucratividade, sem negócio.

 

Como o Brasil não consegue entender que não há como manter tamanha concentração de renda, onde 0,1% da população retêm 80% da renda, e que o salário mínimo não encontra ganho real há décadas, pois nem mesmo os esforços petistas de redução da desigualdade surtiram efeitos permanentes ou continuados, não há consolidação do mercado interno.

 

Some-se a questão tributária e fiscal que isenta quem não devia, e impele ao povo uma carga absurda de taxas e tributos, e não retribui ao contribuinte o mínimo de qualidade de vida e seguridade social adequada, mas que através de – continuado e permanente – assalto ao erário público através das Desvinculações de Receitas da União que a nada mais prestam senão ao enriquecimento ilícito de seus gestores, há o pleno entendimento que não são reformas trabalhistas e previdenciárias a retirarem garantias fundamentais do trabalhador brasileiro que resolverá a estagnação econômica e o desenvolvimento nacional como um todo.

 

Com o processo de desindustrialização – este também, continuado e permanente -, bem como a canibalização de seus parques industriais, a dependência externa de máquinas, peças e implementos de todas as ordens, seguindo das desregulamentações e isenções sobre diversos produtos e insumos importados, o futuro brasileiro é trágico.

 

Sem educação, ciência, tecnologia e inovação tecnológica, restar-nos-á apenas a terra arrasada. Nem pasto. Nem lavoura. Nada.

 

Sem justiça social teremos apenas os corpos de centenas de milhares homens, mulheres, crianças e, principalmente, idosos enterrados em valas comuns. Fruto do descaso centenário. Bem como da escravidão que nos permeia. Concretude absoluta dos preconceitos e das intolerâncias que tanto nos distinguem em homens de bem ou qualquer coisa: afinal, você sabe com quem está falando?

 

Mas pode ser pior!

 

É triste. É muito triste ver a idiotização de um povo como um projeto de governo. É muito, muito, muito triste ver pessoas louvando a Deus e enriquecendo falsos líderes religiosos que vendem feijões mágicos contra a Covid. Tenho a certeza absoluta de que as suas sagradas escrituras são outras: a da sua casa, a do seu apartamento, a da sua fazenda...

 

Mas, fazer o quê? Há quem goste de mitos. Eles têm a graça, o fascínio de nos tornar inculpes sobre nossas misérias. São o espelho de nossa alma. O reflexo de nosso caráter. O escopo de nossa espiritualidade.

 

Nada é tão trágico, tão desesperador: o sonho do oprimido é tornar-se o opressor!


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Beleza Americana II

 (Brasília revisitada, 2020)

Jodhi Segall


I

Hipocrisia.       

                   Hipocrisia.

                                     Hipocrisia.

Eu também sou hipócrita!

 

I.b

Um certo desconcertante

descontentamento invadiu

meu mundinho vazio.

 Minha pequenez mundana

se descortinou na embriaguez

torpe dos errantes solitários. 

Um gosto de fracasso,

um cheiro de merda e

um ranço de porco

e cachaça.

Bem diferente da pipoca

e da primeira esperança

de se bem querer bem.

 

II

Ás vezes despertamos felizes,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Fala-se de lealdade.

Procura-se afirmar qualquer verdade.

Gritam pelas ruas: justiça! Liberdade!

Como se justiça e liberdade fossem amigas.

Coleguinhas do jardim de infância.

Saíssem pelas ruas de mãos dadas.

Não? Não. Não!

No mundo não há justiça sem cárceres.


III

Meus sonhos todos:

em uma mulher de nuvens,

vingaram!

 Patético.

Todas as minhas incompletudes feneceram.

E com elas minha estúpida e tola alma.

O erro é companheiro dos ventos.

Não nos imobilizam, os erros.

Nos jogam contra nossa

infindável ignorância.

Nos acrescentam.

IV

A prudência é sagaz.

 Previdente.

Organizada.

Institucionalizada.

 Econômica como um

bom casamento

entre dois estúpidos.

 

V

A coragem é um risco.

 Quem não se expõe não se arrisca.

 Quem não vive não se precipita.

 

Quem não ama nada possui.

 

Nem vida.

 V.b

Ás vezes dormimos felizes,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Falamos sobre justiça.

Mas não há justiça dos vencidos.

Falamos de virtudes.

Mas o que é a virtude senão

a institucionalização do vício.

 

VI

Precisamos muito mais do vício

do que das virtudes...

 

A virtude e a santidade são ridículas.

Causam muita miséria e dor no mundo.

Pessoas virtuosas não nos são úteis.

Devem ser banidas da sociedade!

O mendigo é mais útil

que o professor.

O traficante é mais necessário

que o coletor de lixo.

A prostituta é mais honesta

que a nossa concubina,

amante,

esposa...

 

Sexo pago sai mais barato

do que fazer promessas

que não podemos cumprir.

Nada como a felicidade da liberdade

do adultério consentido...

VII

E tudo é sentido.

Fazer ou não?

Seguir ou não?

 

Ter ou não?

 Que se dane!!!

 Que se foda!

 

VIII

E tudo é contrato.

 

O alcoolista manipulável,

em álibis transformado.

O viciado em heroína que é

presidente do senado

da república federativa dos alienados.

Os restolhos pelas ruas e

avenidas descartados

em latrinas de maconha e crack.

As pandemias estão aí! E daí?!

Também se morre de gripe,

dengue,

malária!

 

Se morre de descuido,

desprezo,

desamor!

Diz-se até que por amor

se mata e se morre.

E nada mata mais do que o amor!!

 

IX

A morte é a morte!

Que se foda!!!

Tanto faz quanto tanto fez.

O desemprego taí!

Amanhã nem teremos mais aposentadoria.

Que dirá emprego...

E tudo é contrato.

  

X

O policial é o natimorto da sociedade.

O delegado, uma libélula deslumbrante na boca do sapo.

O juiz, um contra-senso jurídico.

O réu é o único que não sendo inocente,

se torna mártir de uma revolução às avessas.

A iluminação pública nos desvirtua.

Desfoca.

As avenidas, ruas, vielas, becos e praças

definem nossa profunda conformidade.

É tão fácil instalar câmeras,

grades, muros altos,

cercas eletrificadas...

Nossos presídios pessoais estão cada

vez mais sofisticados.

Conectados e solitários em

nuvens calculadas para

não promoverem discordâncias.

A amizade requer uma aceitação

total da imbecilidade do outro

ainda que nem o conheça.

 

XI

O holocausto está aí!!

Evoluímos...

Globalizamos nossas selvagerias.

O campo de concentração agora

é na sala,

na copa,

na cozinha,

no quarto de cada casa.

A pedofilia é glória do momento.

O estupro é maravilha do orgasmo social.

As mulheres espancadas e mortas

são o supra-sumo da restituição

do direito universal masculino de foder

quando, como e com quem quiser.

É que nem política:

E cale a boca: vadia!! Vagabunda!!

Chupa, cacete!! Chupa!!
Chupa gostoso, porra!!
Abra as pernas, porra!!
Me dá logo esse cú, porra!!

E dá-lhe porrada!!

Mas tudo com muito, muito, muito amor!

 

XII

O Brasil é uma prostituta.

Nada, nada como morrer feliz,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

 

Brasília desperta.

Esperta essa cidade dormitório...

Cidade dos méritos.

Pátria da meritocracia.

Cidade das asas, dos grandes laços.

E tão pouco espaço para quem caminha...

Nenhum lugar para o homem comum.

Diz-se capital.

Talvez por isso tão distante do povo ao qual governa.

Talvez por isso inexistente aos olhos,

aos gritos

ou ao pulsar daqueles

a quem representa.

 

Corrupta essa cidadela.

Cidade cadela.

Cidade puta.

 

Cidade dependente química,

dependente econômica,

dependente,

dependente...

 

Talvez por isto a nação seja tão mediocre,

tão dependente da opinião externa.

 

XIII

Nem por isso Brasília deixa de ser bela

em alguns momentos.

 

Vi um corpo boiando no lago Paranoá,

não era de deputado, nem senador.

Não era o meu, por ora...

 

Então não era ninguém,

e o sol brilhou e se pôs maravilhosamente

sobre a paz dos covardes.

 

A lua veio.

E algumas recordações amorosas me invadiram...

O amor por lá é invasão e reintegração de posse.

Ou isso ou nada.

Quem mais ama, mais trai!

 Enfim... Toda cidade é uma cortesã!

 

XIV

Brasília...

 

Rosa está lá já faz tempo.

Há 13 anos digo: e eu logo estarei por lá...

A gratidão é uma algema invisível

até ao coração maldito.

Emburguesar-se é a evolução natural

dos misantropos e misógenos.

O poder é o poder.

Só isto.

Nada é mais afrodisíaco do que

o poder.

 

XV

Contei meus últimos tostões.

Sangrei meus últimos suspiros de amor e saudade.

Esqueci por fim minhas desavenças com a riqueza.

Adeus, miseráveis!! Vou-me embora para Bruxelas...

 

(Hummmm!  Por um momento entendi o que é liberdade...

Ou sua total ausência.)

 

Ninguém gosta de fracassos...

Nem Narciso. Quanto mais Apolo!