sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Beleza Americana II

 (Brasília revisitada, 2020)

Jodhi Segall


I

Hipocrisia.       

                   Hipocrisia.

                                     Hipocrisia.

Eu também sou hipócrita!

 

I.b

Um certo desconcertante

descontentamento invadiu

meu mundinho vazio.

 Minha pequenez mundana

se descortinou na embriaguez

torpe dos errantes solitários. 

Um gosto de fracasso,

um cheiro de merda e

um ranço de porco

e cachaça.

Bem diferente da pipoca

e da primeira esperança

de se bem querer bem.

 

II

Ás vezes despertamos felizes,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Fala-se de lealdade.

Procura-se afirmar qualquer verdade.

Gritam pelas ruas: justiça! Liberdade!

Como se justiça e liberdade fossem amigas.

Coleguinhas do jardim de infância.

Saíssem pelas ruas de mãos dadas.

Não? Não. Não!

No mundo não há justiça sem cárceres.


III

Meus sonhos todos:

em uma mulher de nuvens,

vingaram!

 Patético.

Todas as minhas incompletudes feneceram.

E com elas minha estúpida e tola alma.

O erro é companheiro dos ventos.

Não nos imobilizam, os erros.

Nos jogam contra nossa

infindável ignorância.

Nos acrescentam.

IV

A prudência é sagaz.

 Previdente.

Organizada.

Institucionalizada.

 Econômica como um

bom casamento

entre dois estúpidos.

 

V

A coragem é um risco.

 Quem não se expõe não se arrisca.

 Quem não vive não se precipita.

 

Quem não ama nada possui.

 

Nem vida.

 V.b

Ás vezes dormimos felizes,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

Falamos sobre justiça.

Mas não há justiça dos vencidos.

Falamos de virtudes.

Mas o que é a virtude senão

a institucionalização do vício.

 

VI

Precisamos muito mais do vício

do que das virtudes...

 

A virtude e a santidade são ridículas.

Causam muita miséria e dor no mundo.

Pessoas virtuosas não nos são úteis.

Devem ser banidas da sociedade!

O mendigo é mais útil

que o professor.

O traficante é mais necessário

que o coletor de lixo.

A prostituta é mais honesta

que a nossa concubina,

amante,

esposa...

 

Sexo pago sai mais barato

do que fazer promessas

que não podemos cumprir.

Nada como a felicidade da liberdade

do adultério consentido...

VII

E tudo é sentido.

Fazer ou não?

Seguir ou não?

 

Ter ou não?

 Que se dane!!!

 Que se foda!

 

VIII

E tudo é contrato.

 

O alcoolista manipulável,

em álibis transformado.

O viciado em heroína que é

presidente do senado

da república federativa dos alienados.

Os restolhos pelas ruas e

avenidas descartados

em latrinas de maconha e crack.

As pandemias estão aí! E daí?!

Também se morre de gripe,

dengue,

malária!

 

Se morre de descuido,

desprezo,

desamor!

Diz-se até que por amor

se mata e se morre.

E nada mata mais do que o amor!!

 

IX

A morte é a morte!

Que se foda!!!

Tanto faz quanto tanto fez.

O desemprego taí!

Amanhã nem teremos mais aposentadoria.

Que dirá emprego...

E tudo é contrato.

  

X

O policial é o natimorto da sociedade.

O delegado, uma libélula deslumbrante na boca do sapo.

O juiz, um contra-senso jurídico.

O réu é o único que não sendo inocente,

se torna mártir de uma revolução às avessas.

A iluminação pública nos desvirtua.

Desfoca.

As avenidas, ruas, vielas, becos e praças

definem nossa profunda conformidade.

É tão fácil instalar câmeras,

grades, muros altos,

cercas eletrificadas...

Nossos presídios pessoais estão cada

vez mais sofisticados.

Conectados e solitários em

nuvens calculadas para

não promoverem discordâncias.

A amizade requer uma aceitação

total da imbecilidade do outro

ainda que nem o conheça.

 

XI

O holocausto está aí!!

Evoluímos...

Globalizamos nossas selvagerias.

O campo de concentração agora

é na sala,

na copa,

na cozinha,

no quarto de cada casa.

A pedofilia é glória do momento.

O estupro é maravilha do orgasmo social.

As mulheres espancadas e mortas

são o supra-sumo da restituição

do direito universal masculino de foder

quando, como e com quem quiser.

É que nem política:

E cale a boca: vadia!! Vagabunda!!

Chupa, cacete!! Chupa!!
Chupa gostoso, porra!!
Abra as pernas, porra!!
Me dá logo esse cú, porra!!

E dá-lhe porrada!!

Mas tudo com muito, muito, muito amor!

 

XII

O Brasil é uma prostituta.

Nada, nada como morrer feliz,

ainda que desnutridos de qualquer caráter.

 

Brasília desperta.

Esperta essa cidade dormitório...

Cidade dos méritos.

Pátria da meritocracia.

Cidade das asas, dos grandes laços.

E tão pouco espaço para quem caminha...

Nenhum lugar para o homem comum.

Diz-se capital.

Talvez por isso tão distante do povo ao qual governa.

Talvez por isso inexistente aos olhos,

aos gritos

ou ao pulsar daqueles

a quem representa.

 

Corrupta essa cidadela.

Cidade cadela.

Cidade puta.

 

Cidade dependente química,

dependente econômica,

dependente,

dependente...

 

Talvez por isto a nação seja tão mediocre,

tão dependente da opinião externa.

 

XIII

Nem por isso Brasília deixa de ser bela

em alguns momentos.

 

Vi um corpo boiando no lago Paranoá,

não era de deputado, nem senador.

Não era o meu, por ora...

 

Então não era ninguém,

e o sol brilhou e se pôs maravilhosamente

sobre a paz dos covardes.

 

A lua veio.

E algumas recordações amorosas me invadiram...

O amor por lá é invasão e reintegração de posse.

Ou isso ou nada.

Quem mais ama, mais trai!

 Enfim... Toda cidade é uma cortesã!

 

XIV

Brasília...

 

Rosa está lá já faz tempo.

Há 13 anos digo: e eu logo estarei por lá...

A gratidão é uma algema invisível

até ao coração maldito.

Emburguesar-se é a evolução natural

dos misantropos e misógenos.

O poder é o poder.

Só isto.

Nada é mais afrodisíaco do que

o poder.

 

XV

Contei meus últimos tostões.

Sangrei meus últimos suspiros de amor e saudade.

Esqueci por fim minhas desavenças com a riqueza.

Adeus, miseráveis!! Vou-me embora para Bruxelas...

 

(Hummmm!  Por um momento entendi o que é liberdade...

Ou sua total ausência.)

 

Ninguém gosta de fracassos...

Nem Narciso. Quanto mais Apolo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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