(Brasília revisitada, 2020)
Jodhi Segall
I
Hipocrisia.
Hipocrisia.
Hipocrisia.
Eu também sou hipócrita!
I.b
Um certo
desconcertante
descontentamento
invadiu
meu
mundinho vazio.
se
descortinou na embriaguez
torpe dos errantes solitários.
Um gosto de fracasso,
um cheiro
de merda e
um ranço
de porco
e cachaça.
Bem diferente da pipoca
e da
primeira esperança
de se bem
querer bem.
II
Ás vezes
despertamos felizes,
ainda que
desnutridos de qualquer caráter.
Fala-se
de lealdade.
Procura-se
afirmar qualquer verdade.
Gritam
pelas ruas: justiça! Liberdade!
Como se
justiça e liberdade fossem amigas.
Coleguinhas
do jardim de infância.
Saíssem
pelas ruas de mãos dadas.
Não? Não. Não!
No mundo não há justiça sem cárceres.
III
Meus
sonhos todos:
em uma
mulher de nuvens,
vingaram!
Todas as minhas incompletudes feneceram.
E com elas minha estúpida e tola
alma.
O erro é
companheiro dos ventos.
Não nos imobilizam, os erros.
Nos jogam
contra nossa
infindável
ignorância.
Nos acrescentam.
IV
A
prudência é sagaz.
Organizada.
Institucionalizada.
bom
casamento
entre
dois estúpidos.
V
A coragem
é um risco.
Quem não ama nada possui.
Nem vida.
Ás vezes
dormimos felizes,
ainda que
desnutridos de qualquer caráter.
Falamos sobre justiça.
Mas não
há justiça dos vencidos.
Falamos de virtudes.
Mas o que
é a virtude senão
a
institucionalização do vício.
VI
Precisamos
muito mais do vício
do que
das virtudes...
A virtude
e a santidade são ridículas.
Causam
muita miséria e dor no mundo.
Pessoas
virtuosas não nos são úteis.
Devem ser
banidas da sociedade!
O mendigo é mais útil
que o
professor.
O
traficante é mais necessário
que o
coletor de lixo.
A
prostituta é mais honesta
que a
nossa concubina,
amante,
esposa...
Sexo pago
sai mais barato
do que
fazer promessas
que não
podemos cumprir.
Nada como a felicidade da liberdade
do
adultério consentido...
VII
E tudo é
sentido.
Fazer ou não?
Seguir ou não?
Ter ou não?
VIII
E tudo é
contrato.
O
alcoolista manipulável,
em álibis
transformado.
O viciado
em heroína que é
presidente
do senado
da
república federativa dos alienados.
Os restolhos pelas ruas e
avenidas
descartados
em
latrinas de maconha e crack.
As pandemias estão aí! E daí?!
Também se
morre de gripe,
dengue,
malária!
Se morre
de descuido,
desprezo,
desamor!
Diz-se até que por amor
se mata e
se morre.
E nada mata mais do que o amor!!
IX
A morte é
a morte!
Que se
foda!!!
Tanto faz
quanto tanto fez.
O desemprego taí!
Amanhã nem teremos mais aposentadoria.
Que dirá
emprego...
E tudo é contrato.
X
O
policial é o natimorto da sociedade.
O
delegado, uma libélula deslumbrante na boca do sapo.
O juiz,
um contra-senso jurídico.
O réu é o
único que não sendo inocente,
se torna
mártir de uma revolução às avessas.
A iluminação pública nos desvirtua.
Desfoca.
As
avenidas, ruas, vielas, becos e praças
definem
nossa profunda conformidade.
É tão fácil instalar câmeras,
grades,
muros altos,
cercas
eletrificadas...
Nossos presídios pessoais estão cada
vez mais
sofisticados.
Conectados
e solitários em
nuvens
calculadas para
não
promoverem discordâncias.
A amizade requer uma aceitação
total da
imbecilidade do outro
ainda que
nem o conheça.
XI
O
holocausto está aí!!
Evoluímos...
Globalizamos
nossas selvagerias.
O campo de concentração agora
é na
sala,
na copa,
na
cozinha,
no quarto
de cada casa.
A pedofilia é glória do momento.
O estupro
é maravilha do orgasmo social.
As
mulheres espancadas e mortas
são o
supra-sumo da restituição
do direito
universal masculino de foder
quando,
como e com quem quiser.
É que nem política:
E cale a boca: vadia!! Vagabunda!!
Chupa, cacete!! Chupa!!
Chupa gostoso, porra!!
Abra as pernas, porra!!
Me dá logo esse cú, porra!!
E dá-lhe
porrada!!
Mas tudo com muito, muito, muito amor!
XII
O Brasil
é uma prostituta.
Nada, nada como morrer feliz,
ainda que
desnutridos de qualquer caráter.
Brasília
desperta.
Esperta
essa cidade dormitório...
Cidade
dos méritos.
Pátria da
meritocracia.
Cidade
das asas, dos grandes laços.
E tão
pouco espaço para quem caminha...
Nenhum lugar para o homem comum.
Diz-se capital.
Talvez
por isso tão distante do povo ao qual governa.
Talvez
por isso inexistente aos olhos,
aos
gritos
ou ao
pulsar daqueles
a quem
representa.
Corrupta
essa cidadela.
Cidade
cadela.
Cidade
puta.
Cidade
dependente química,
dependente
econômica,
dependente,
dependente...
Talvez
por isto a nação seja tão mediocre,
tão
dependente da opinião externa.
XIII
Nem por
isso Brasília deixa de ser bela
em alguns
momentos.
Vi um
corpo boiando no lago Paranoá,
não era
de deputado, nem senador.
Não era o
meu, por ora...
Então não
era ninguém,
e o sol
brilhou e se pôs maravilhosamente
sobre a
paz dos covardes.
A lua
veio.
E algumas
recordações amorosas me invadiram...
O amor
por lá é invasão e reintegração de posse.
Ou isso
ou nada.
Quem mais ama, mais trai!
XIV
Brasília...
Rosa está
lá já faz tempo.
Há 13 anos digo: e eu logo estarei por lá...
A gratidão é uma algema invisível
até ao
coração maldito.
Emburguesar-se é a evolução natural
dos
misantropos e misógenos.
O poder é o poder.
Só isto.
Nada é mais afrodisíaco do que
o poder.
XV
Contei
meus últimos tostões.
Sangrei
meus últimos suspiros de amor e saudade.
Esqueci
por fim minhas desavenças com a riqueza.
Adeus, miseráveis!! Vou-me embora para Bruxelas...
(Hummmm! Por um momento entendi o que é liberdade...
Ou sua
total ausência.)
Ninguém
gosta de fracassos...
Nem Narciso. Quanto mais Apolo!

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