Thiago Augusto Arcanjo Madeira Leão
Ao
acordar na segunda-feira da segunda semana de 2021, 11 de janeiro, o Brasil se
redescobre em primórdios do século passado. Tanto quanto aos disparates de sua
ignorância – algo que assustadoramente não preserva classe social, etnia ou
gênero, e muito menos espiritualidade; tanto quanto aos afrontamentos e
enfrentamentos necessários para sua própria subsistência enquanto soberania
nacional. Enfim o golpe de 2016 começa a surtir os seus efeitos nefastos.
O
“tchau, querida!”, mote sarcástico-amoroso que selou a era Lula/Dilma, o dito
Lulapetismo, e chafurdou a história de uma social-democracia possível em um mar
de lodo e lama sem par, e elevou ao poder o que há de mais pernicioso nas
esferas de governança, agora nos serve de mortalha.
Sir
George Canning, Primeiro Ministro britânico (1827) declarou um dos mais
conscientes conceitos de Estado: sem tesouro, sem lei! Ou pagam impostos, ou
inexistimos! Ao que Margareth Thatcher, o cão chupando manga do conservadorismo
britânico asseveraria em 1979: o que sustenta o Estado é o imposto, logo,
governo algum pode pensar em favorecer minorias em detrimento de maiorias; o
trabalho depende da dignidade da vida que ofertamos através de nosso
assalariamento; e a empregabilidade depende de nossa capacidade de produção e
apropriação de conhecimento: educação, ciência e tecnologia. A garantia de
renda é fruto da estabilidade e da continuidade de políticas sérias que
promovam o desenvolvimento econômico com seguridade social de amplo espectro.
Em
1988, ao promulgarmos a nossa Constituição Nacional, havíamos alcançado -
diga-se: a duras penas! - algo até então não visto por aqui: uma Carta Magna
digna de universalidade, com consciência de garantias de direitos,
corresponsabilidade de deveres e independência entre os poderes.
Quiséramos
que a classe política e demais atores da governança tivessem-na enquanto normas
a serem protegidas e, assim como nas nações desenvolvidas, a promovessem ao
status de evolução contínua na defesa dos interesses pátrios. Mas não. O que se
viu durante os trinta anos que se seguiram foi seu sistemático desmonte.
Não
que as leis e seus processos sejam estáticos. Não. A lei e os processos
caminham ao lado do consuetudinário, provendo as relações sociais, políticas e
econômicas de basilares para o exercício da vida em comum de uma sociedade
minimamente constituída.
Quando
determinadas regras básicas e de bom juízo são ignoradas, na razão de Estado,
há a constituição de extraclasses e categorias privilegiadas, que uma vez
protegidas pelo arcabouço jurídico e institucional, jamais abrirão mão de seus
privilégios.
O
resumo da ópera, no caso brasileiro, é algo surreal. O Brasil é uma
monstruosidade de proporções escatológicas. É bizarro!
O
custeio do Congresso Nacional é da ordem de 15 bilhões de reais anuais; a
máquina pública em si, Executivo, Legislativo e Judiciário, nos custa 5,3
trilhões de reais por ano, aproximadamente.
Mas
a eficiência e a eficácia desses na defesa de seu povo é extremamente duvidosa.
E tal sentimento é impregnado por todos os entes da federação, sendo a
corrupção uma forma institucionalizada de governo. Da municipalidade ao
estadual, deste ao governo federal não há sequer uma Câmara Municipal ou
Assembleia Legislativa que não esteja compromissada com alguma ilicitude, com
projetos escusos e de defesa de interesses pessoais ou corporativos, sejam
estes regionais ou nacionais.
A
propina é a regra, não é uma exceção. O toma lá dá cá entre políticos e membros
do judiciário; a conivência das receitas federal, estadual e municipal com a
ilicitude da sonegação e evasão de divisas de corporações nacionais e
transnacionais, bem como de eminentes pessoas físicas abastadas, formatam o
modo de gestão nacional na qual permutam-se o imposto, as taxas, as multas, as
contribuições sociais em isenções, perdões e anistias, tornando a inadimplência
garantida de impunidade.
Tais
fatos, que não carecem de grandes alaridos, posto serem desvelados sem pudor
algum, e que fazem parte de uma cultura estrutural desde a época colonial, mas
que atravessou o império e se perpetuou nas dinastias republicanas do século XX
e sua oligarquia escravocrata rural, estas que jamais permitiram o
desenvolvimento técnico e industrial nacional por estarem vinculados aos
interesses de outras nações (plantations,
extrativismo, mineração e commodities), são, de longe, os fundadores e perpétuos
zeladores e reprodutores da desigualdade social e econômica nacional.
Os
problemas centrais da urbanidade: infraestrutura e saneamento básico;
mobilidade, acessibilidade e transporte público, são as fontes infinitas de
recursos para o enriquecimento ilícito. Saúde, Educação e Habitação tornaram-se
um anteprojeto de segregação e seletividade: uma higienização social estruturada
e de grande envergadura e cada vez mais autossustentável.
O
Brasil é o único país no mundo em que as perdas de garantias de direitos
universais é comemorada em via pública por aqueles que sequer tiveram ou tem
acesso ao jardim da infância.
Mas
pode ser pior!
O
Brasil é o único país (supostamente) democrático de fato e de direito no qual
“patriotas” se prestam a ir às ruas para exigirem um regime de exceção, sem
sequer saberem escrever exceção, e que tal regime não só emagrece, mas também
mata.
O
Brasil é o país aonde 99% da população se declara cristã e é considerado por
muitos a pátria do evangelho, mas elege para presidente um entusiasta da
tortura, de caráter tortuoso e de ligações extremamente suspeitas com
indivíduos mais suspeitos ainda. Um contumaz homem de famílicias disposto a tudo na defesa de seus entes amados,
familiares e amigos. Incrivelmente, sobrevive em plena campanha desde sempre,
não tendo tempo para governar com decência e probidade, denodo e senso de dever
que a liturgia do cargo lhe confere.
Enquanto
Executivo, 200 mil mortos por uma pandemia que poderia ser minimizada com bom
senso; boas práticas de civilidade e higiene; bons exemplos; centralização de
operações e custeio; conciliação política; seriedade e equidade econômica; e,
principalmente, empatia para com seus enfermos e enlutados, denota a sua
eficiência enquanto executor. Não bastassem tais ignorâncias, ou seja, nada ter
de fato realizado no combate efetivo à pandemia, vivencia-se mais um drama:
mais do que a politização da pandemia, a reedição de campanhas antivacinas e
teorias conspiratórias de outrora, catapultadas no agora via redes sociais e
seu universo maravilhoso de não verdades: as fakes-news! Realmente: o Brasil
não é para amadores! Ele possui 30 e poucos anos de muita experiência em negar
até a própria existência.
É
neste caótico cenário em que a Ford do Brasil encerra as suas atividades de
produção no país. Mas não. Não nos deixemos enganar por aparentes
justificativas ou desculpas. O quadro atual apenas oportunizou uma saída
estratégica há muito estudada e que se fez conveniente no agora. As incertezas
(?) acerca do futuro social, político e econômico brasileiro são fatores
relevantes, mas não determinantes.
Quando
afirma-se que quando alguém propõe perdas
de garantias de direitos em nome de empregabilidade, assalariamento e renda,
nega ambos, é este o contexto resultante: nem um, nem outro. Pois o que se
oculta ou nega-se é o senso de realidade da responsabilidade inerente ao
desenvolvimento social, ofertando demasiadas benesses aos supostos entes
produtivos, estes cujos acentuados avanços das novas tecnologias de produção – infomecatrônica, mecanização e mobilidade autônomas,
robótica, inteligência artificial, e outros – requerem cada vez mais capacitação
profissional especializada, porém oferecendo cada vez menos postos de trabalho,
e, óbvio, dada a demografia e as questões geopolíticas, achatamento salarial global
devido ao poder de barganha do capital industrial e financeiro.
Neste
ponto, é mister entender que não apenas a Ford do Brasil está indo embora, mas
outras empresas seguirão no curto e médio prazo o mesmo caminho.
Mais
do que uma reengenharia universal das empresas para se adequarem ao cenário
futuro de plena automação e tecnologias de informação e controle de alta performance,
há a questão central do capitalismo: sem lucratividade, sem negócio.
Como
o Brasil não consegue entender que não há como manter tamanha concentração de
renda, onde 0,1% da população retêm 80% da renda, e que o salário mínimo não
encontra ganho real há décadas, pois nem mesmo os esforços petistas de redução
da desigualdade surtiram efeitos permanentes ou continuados, não há
consolidação do mercado interno.
Some-se
a questão tributária e fiscal que isenta quem não devia, e impele ao povo uma
carga absurda de taxas e tributos, e não retribui ao contribuinte o mínimo de
qualidade de vida e seguridade social adequada, mas que através de – continuado
e permanente – assalto ao erário público através das Desvinculações de Receitas
da União que a nada mais prestam senão ao enriquecimento ilícito de seus
gestores, há o pleno entendimento que não são reformas trabalhistas e
previdenciárias a retirarem garantias fundamentais do trabalhador brasileiro
que resolverá a estagnação econômica e o desenvolvimento nacional como um todo.
Com
o processo de desindustrialização – este também, continuado e permanente -, bem
como a canibalização de seus parques industriais, a dependência externa de
máquinas, peças e implementos de todas as ordens, seguindo das
desregulamentações e isenções sobre diversos produtos e insumos importados, o
futuro brasileiro é trágico.
Sem
educação, ciência, tecnologia e inovação tecnológica, restar-nos-á apenas a
terra arrasada. Nem pasto. Nem lavoura. Nada.
Sem
justiça social teremos apenas os corpos de centenas de milhares homens,
mulheres, crianças e, principalmente, idosos enterrados em valas comuns. Fruto
do descaso centenário. Bem como da escravidão que nos permeia. Concretude
absoluta dos preconceitos e das intolerâncias que tanto nos distinguem em homens
de bem ou qualquer coisa: afinal, você sabe com quem está falando?
Mas
pode ser pior!
É
triste. É muito triste ver a idiotização de um povo como um projeto de governo.
É muito, muito, muito triste ver pessoas louvando a Deus e enriquecendo falsos líderes
religiosos que vendem feijões mágicos contra a Covid. Tenho a certeza absoluta de
que as suas sagradas escrituras são outras: a da sua casa, a do seu
apartamento, a da sua fazenda...
Mas,
fazer o quê? Há quem goste de mitos. Eles têm a graça, o fascínio de nos tornar
inculpes sobre nossas misérias. São o espelho de nossa alma. O reflexo de nosso
caráter. O escopo de nossa espiritualidade.
Nada
é tão trágico, tão desesperador: o sonho
do oprimido é tornar-se o opressor!

Nenhum comentário:
Postar um comentário