sexta-feira, 30 de junho de 2017

Aurélio Buarque de Holanda

vide dicionário

                                                    para Frei Betto. CNSD. Uberaba-MG.



Degeneramos. Descobrimo-nos
em decúbito num déclupo dédalo;
demagogos demasiados delinquiram ditos;
deliberadamente demarcaram domínios, e
deletérios, no decurso da deformidade,
defraudaram a desasnada deixa;

Diga-me digne douto o dogma da doma
desta destra: devo decretar o desfortúnio,
dizimar diademas ou, desavergonhado, no
descalabro da minha dita, desavir e na
demissão decente, em desagravo, dormir no
desapego do devir?




Jodhi Segall. A Escuridão & As Nozes. 

terça-feira, 13 de junho de 2017

Lembranças de Eco

Não se sonha com a Idade Média porque seja o passado, porque a cultura ocidental tem uma infinidade de passados, e não vejo por que não se deva voltar à Mesopotâmia ou a Sinhue, o egípcio. Mas acontece que, e já foi dito, a Idade Média representa o crisol da Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando as contas, os bancos e o câmbio, a organização do latifúndio, a estrutura da administração e da política comunal, as lutas de classe e o pauperismo, a diatribe entre o Estado e a Igreja, a universidade, o terrorismo místico, o processo de acusação, o hospital e a diocese, até mesmo a organização turística... E, de fato, nós não somos obcecados pelo problema da escravidão ou do ostracismo, mas sim por como enfrentar a heresia, e os companheiros que erram, e os que se arrependem, e por como se deva respeitar sua esposa e derreter-se por sua amante, porque o medievo inventa também o conceito do amor no ocidente.


 ECO, Umberto. Dez modos de sonhar a Idade Média. In: Sobre os espelhos e outros ensaios. RJ, Nova Fronteira: 1989, p. 78.  

Paleontologia

Igor Koldhish

O objetivo da vida é
vivê-la em toda a sua plenitude.
Limitações são medos consumados
e ardores consumidos:
nos tornam cinzas...
Fiz outrora uma viajem onde
a escura paisagem era tudo de belo
que se podia ter.
No fim do arco-íris não encontrei nenhum pote de ouro.
O amor que houvera se provou torpe. Tão parco quanto parvo.
Não melhorei muito depois dos meus vinte anos...
...me entristece o não saber amar.
Tentei ser livre na fecunda hipótese dos inculpes.
Esculpi uma lápide onde dizia: eterno é o que se esquece.
Não aqueço mais o sol, nem quero mais o brilho das estrelas.
As manhãs são apenas prenúncios de cotidianos arquivados
 na memória dos atos repetitivos.
Dé jà vus.
Encontrei com Madalena e ela está feliz.
Por mais dores que tivera, nenhuma lhe pertenceu.
Encontrei com Aristóteles e ele está feliz.
Por mais dores que causara, nenhuma lhe pertenceu.
Sócrates morreu depois de tomar cicuta.
Platão está feliz até hoje, e não teme ser republicano.
Estive com Marx no bar da esquina
e rimos muito de tantos tolos engodos feudais...
Convidei Calígola para o meu rebuceteio: uma sigela
homenagem a Apolo sob as bençãos de Afrodite.
A minha epiderme cheira a futilidades
e minha garganta arde a tabaco e aguardente.
Comprei vinho e vodka, algumas cervejas
e alguns quilos de sortidas carnes...
A carne assa sobre a brasa
enquanto o queijo derrete
entre coxas e bocas.
Um gosto de poder e liberdade invade
o vazio sem jamais preenchê-lo.
Incompletude e insaciedade são atributos do imprescindível.
Nada tem valor se não for compartilhado:
idiota é todo aquele
que acredita
em ser amado.
O deus burguês devorou de vez

os passarinhos.