terça-feira, 13 de junho de 2017

Lembranças de Eco

Não se sonha com a Idade Média porque seja o passado, porque a cultura ocidental tem uma infinidade de passados, e não vejo por que não se deva voltar à Mesopotâmia ou a Sinhue, o egípcio. Mas acontece que, e já foi dito, a Idade Média representa o crisol da Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando as contas, os bancos e o câmbio, a organização do latifúndio, a estrutura da administração e da política comunal, as lutas de classe e o pauperismo, a diatribe entre o Estado e a Igreja, a universidade, o terrorismo místico, o processo de acusação, o hospital e a diocese, até mesmo a organização turística... E, de fato, nós não somos obcecados pelo problema da escravidão ou do ostracismo, mas sim por como enfrentar a heresia, e os companheiros que erram, e os que se arrependem, e por como se deva respeitar sua esposa e derreter-se por sua amante, porque o medievo inventa também o conceito do amor no ocidente.


 ECO, Umberto. Dez modos de sonhar a Idade Média. In: Sobre os espelhos e outros ensaios. RJ, Nova Fronteira: 1989, p. 78.  

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