Não se sonha com a Idade
Média porque seja o passado, porque a cultura ocidental tem uma infinidade de
passados, e não vejo por que não se deva voltar à Mesopotâmia ou a Sinhue, o
egípcio. Mas acontece que, e já foi dito, a Idade Média representa o crisol da
Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as
quais ainda estamos ajustando as contas, os bancos e o câmbio, a organização do
latifúndio, a estrutura da administração e da política comunal, as lutas de
classe e o pauperismo, a diatribe entre o Estado e a Igreja, a universidade, o
terrorismo místico, o processo de acusação, o hospital e a diocese, até mesmo a
organização turística... E, de fato, nós não somos obcecados pelo problema da
escravidão ou do ostracismo, mas sim por como enfrentar a heresia, e os
companheiros que erram, e os que se arrependem, e por como se deva respeitar
sua esposa e derreter-se por sua amante, porque o medievo inventa também o
conceito do amor no ocidente.
ECO, Umberto. Dez modos
de sonhar a Idade Média. In: Sobre
os espelhos e outros ensaios. RJ, Nova Fronteira: 1989, p. 78.

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