quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Desàccord

Jodhi Segall

Première, un regard d'incomplète.
Un contact en tant que quelqu'un.
Une ardeur de malveillant : une ville abandonnée attente pour quelqu'un qui a fait.
Allées et venues dans le même la vie.
Tous les jours: les ordinateurs portables et des pages, des livres interdits dans une flamme de passion et de la douleur.
La station est vide.
Le train est en mouvement sur la piste, mais il est logique de réviser le même paysage.
Paris est la suivante. Lion a été derrière ...
Une lumière la pluie et le froid réchauffe le coeur déçu.
Désaccord qu'il fait nuit, la musique de la musique organes dit que nous sommes libres.
Mais elle ne provient pas de la danse.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Bençãos e pragas

Jodhi Segall

Eu sou eu. Grato talvez por todas as minhas próprias circunstâncias.
Esta escolha instantânea e livre de negar a tudo que não me preserve.
Esta coragem cotidiana de amar a quem não ama e poder afirmar-se vivo.
Tudo é simplicidade: nada de pedaços.
Viver é bem-viver. O resto é ignorância.

Desterrado

Jodhi Segall

Triunfo entre distantes
termos entre ternos
Trinca de azes e trancas de asas
Gâmbito de dama sob os olhos del Rei
Bola oito na caçapa oposta ao ponto de partida
e rolar os dados na quina de seis
Roleta russa de todos os dias
E um duplo arco-íris desponta depois da tempestade
sobre o mar de meus ombros

Ah! como se fora alguém...

De causa natural

Jodhi Segall

Não.
Não.
Não.
Não!
Como em coma
contido verso
Non sense e seu sentido
Manteiga e pastel
queijo e pão
Vinho de vida inteira
Azeite e sua oliveira
O poço de tão profundo
o raso
que fomenta a fome
mata a sede

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sophia

Jodhi Segall






Ao sul ardente sol

Ao norte frio a tirana sorte

Garra de tigre e língua de dragão

Celerado estorvo corvo



amor sem paixão



Tesão



Viola sangrenta a escuridão

Violação consentida a boca do vulcão

Morte helena sophia

Eros compadecido

Morfeu distraído em sua gula

Orfeu traído na volúpia e fome



Ao norte a corte

Ao sul o corte

Cortez laureado em seus exércitos

Caras e velas sem veias

Vela-se: aqui aviam-se mortuários



O gozo ignorado

O riso castro das censuras

A lei do medo e do pavor

Além do horror, o outorgado



amar quem sabe



Ao norte frio

Marte soberano

Ao sul ardente

o ledo engando



Cigano o sal



Da lágrima

o sol



Ao norte o desengano de sophia

Ao sul loucura



Procura a porta torta

a gruta

a grota



Aziago dia sem prazer

Vinho e queijo sem suor

Azeda insone a noite sem soar



O céu da boca é vermelho

O mar das nozes, azul

O rei e o rato


Jodhi Segall


Naqueles dias, saiu Sua Majestade em comitiva primaveril por todo reino.

Fora, é óbvio, cobrar tributos as seus suseranos, aplicar a lei aos seus vassalos e usufruir dos frugais de suas vastas propriedades, quintas e solares.

Nobres Cavalheiros – uma doce e romanesca turba de bêbedos, amantes das coisas fugidias, caçadores de riquezas e imprudentes por natureza – iam à frente, desvirginando doidivanas e incautas matas de moçoilas aldeotas, vez ou outra (chanfurnando-se em preguiças de alheios colos) em justas de “honras” e futilidades elevam o nome de não nobre arte.

Ao meio, alegrando e encantando as vilas, ia a “GRAND TROUP” pululante de atores, músicos, plásticos, enfim, artistas de palco e de tela que levavam a cultura e a felicidade do seu soberano (que mais feliz ainda) ia aos seus fiéis súditos “comer suas rendas em espécie”.

Lavadeiras, taverneiros e mercadores de mel, trigo, especiarias e tecidos engrossavam a corte real.

Ah! Prostitutas e bufões, é claro, bem como o clero (contabilistas do rei e judeus banqueiros cambistas das liberdades) não poderiam faltar...

- Viva o Rei! Deus salve a Rainha!

- Saudações de júbilo por todas as partes.

Assim ia-se o Rei a exercer sua divinal justiça e a encher suas julhas...

Foi quando, numa destas tardes quaisquer em que distraído para a morfe, João pé-de-chinelo estava, no pomar do solar do soberano, a degustar ao lel-desfrute saborosas vinhas, que se deu o espantoso e legendário encontro do Rei com o dito rato:

- “Não há terras sem senhor” – alardeou ao avistá-lo o arauto.

- Pega! Pega! – incita o real séqüito.

João pé-de-chinelo não se abalou. Vinhando estava, vinhando continuou.

Diante de tamanha ousadia a guarda real quisera, ali mesmo, supliciá-lo, mas era um grande Rei: cínico, realista, cruel, dogo e benéfico.

Duro; intempestivo; ardente e imoderado com as mulheres; corajoso; poeta e trovador, “amigo” de todos os Castelões...

Um perfeito cavalheiro, destes que adoram uma boa refrega e que não perderia uma oportunidade ímpar (como tal) para demonstrar sua opulenta e majestosa justiça.

- Tragam-no! Eis que desejo conhecer tal beligerante! – ordenou.

João, trazido aos ferros, apressou-se aos pés de seu senhor: - João pé-de-chinelo, vosso mais humilíssimo servo, Majestade! Eis-me aqui, às vossas mercês em corpo, alma e espírito, meu Rei e senhor!

- Não sabeis serem estas as parreiras das vinhas das quintas Del Rei? – inquiriu o Chanceler.

- Não só estas, senhor, bem como todas as terras do reino! – respondeu-lhe João, firme e cabisbaixo e penitente diante Del rei.

- Ora, mas que insolência! – ira-se indignado o magistrado.

- Oh! Mas que chiste! – encanta-se El Rei, que prossegue: - O que fazeis? Qual vosso ofício? (E dirigindo-se aos convivas) Além, é claro, de furtar as uvas... (Risos em geral) Quereis, por desventura, acender-me a cólera sobre vós?

- Não meu sol! Luz esplendorosa a iluminar as sendas mais distantes do universo e talhar com nobre piedade, justiça e valor, a história humana. Não, meu Rei! Longe deste humilde poeta e trovador despertar-vos a ira divinal ou infernal cólera, da qual sabemos todos, que sois portador... (E com tom meloso, cabisbaixo e ao som do melodioso aláude, gorjeou:)


“Venho deveras de longe, muito longe, em busca de saber e esclarecimento,

vim por delongas e minuosas estradas,sem prazer ou bom sustento;

Tal que, eis-me aqui, o mais mendicante monge, por entre vossas pradas, a Cristo olhar,

Que ao horizonte vossas tintas uvas de beleza sem par, ao altivo dorso do encantado monte,

Jaz faminto, foram minha gula despertar.

Oh! Meu Rei! Meu Magnífico! Piedade a vós suplico!

Réu confesso: devolvê-las já não posso. Mas feliz e satisfeito me explico e muito sinto.

E deito tardo, em fardo humilde, meu pescoço ao julgamento vosso!”

 
- Ohhhhhhhh! (Exclama a surpreendida plêiade) – Piedade! Clemência! Misericórdia!

Num rompante, o Rei ergue-se. Puxa a espada de seu campeão e firme e decidido a sobrepõe ao ombro do infeliz e profere a redentora sentença: - Eis que estais perdoado por vossa insolência!

Vivas, hurras, clarins, fanfarras...

Mas discretamente, em seguida, pondo-se ao largo, num hábil, destro e rápido e único movimento, degola-o sem o mínimo constrangimento, e, conclui: - Mas não pela pobreza dos vossos versos! El Rei!

- Um grande Rei! – todo mundo

- “Lic transit gloria mundi...” – o frade: “assim passa a glória do mundo” (ato de humildade pontifícia).

Da janela de Quimera


Jodhi Segall





Na penumbra este felino olhar espreita

A vítima de sua saciedade

Difusa visão de olhos cansados

Que revelam a sede e a fome

A linha alinha termos e posses divisados

Dividido parto de partidas feito e recriado

Como retorno de algo ido e não consumado

Mal consumido o ar e suas convicções

Desnuda carne descarnada em gentis fatias

O servo serve o cervo sobre bandeja de ouro

As mãos feudais disputam melhores partes

O gato mira e salta sobre o camundongo

Não há fome alguma

A morte se diverte na alegria dos fortes

E se vangloria na estupidez dos tolos

Cícero decantado

O que lês, Teseu, envio-te daquela praia,
donde, sem mim, as velas levaram teu barco;
onde o sono perverso me traiu,
do que perversamente tu te aproveitaste.

Homero

Desnudo


Em despedaços despede-se Morfeu

Orfeu agora jaz sem Eurídice

A procura por entre escombros dos sem lares

Um braço sem abraço

Silencioso como boca sem beijo

Um barco calado fundeia na cripta da desventurada espera

As velas rasgadas

O casco perfurado por gentis homens

O mastro quebrado pela borrasca das infâmias, injúrias e maus tratos

Diria amor se o houvera

Cantaria se aprouvesse alguma alegria

Ao costado sem cabotagem um verso

Que não é verme nem gérmen

Eólo ergue-se triunfante a questionar Poseidon

Sobre as crueldades de Apolo

Eros e Tanatos seguem opostos pelas estradas de Damasco

Invejas cravejadas de orgulhos e vaidades

Triste paradoxo o viver prisioneiro de uma liberdade inexistente

Não faz sentido tudo ou qualquer que seja o desmedido

Pompeu lamenta-se por sua honra tanto quanto

Toda a ética se dilui antes do pão ou

Diante da cicuta

Dormem todos segundo a relva, o arreio e o arado

Em paz, apenas os covardes.


Tântra

Jodhi Segall


06/07/2010




Entre óleos perfumados e velas aromáticas
Desnuda a alma seu perfeito
Os corpos ali desfigurados entre estrelas e nebulosas
Tocam-se na imensidão astral
As mãos sublimam cada poro
E os chacras se ordenam a cada lento respirar



Inspira

Expira

Explora, implode, explode

Guia e desventura
Cria e recria



Riso e choro
Agônia e êxtase
Morte e libertação


Renascimento

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Os Obscuros (Completo)

(OS OBSCUROS)
Jodhi Segall
Icpb
2011
Catalogação na Fonte
(Em Branco)
(Em branco)

De tanto amar a natureza,
Que com ela me confundo.
Nesta incerteza, clamo por mim.
Quem me responde? O mundo!

Teixeira de Pascoaes

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Dedicatória

Este livro é dedicado ao poetas mortos. Sejam conhecidos ou não.
E aqui, não restrito ao literário, mas extensivo a todos os artistas. Todos possuem na qualidade de autor de sua própria história a construção de seus horrores em função do belo e do maravilhoso. Do artesão indígena ao escultor renomado, do repentista de cordel ao tenor de glória mundial, do poeta de tapume ao homérico, do novelista de pasquim ao romancista secular, todos compõem a poética, a ética e a estética do universal. No particular, dedico a Maikoviski. Tão necessário aos nossos dias.

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Apresentação

Vitor Hugo, em Os Trabalhadores do Mar, livro que considero sua obra prima, afirma da tríade unificada no homem: saber, libertar, edificar. Some-se uma: a renúncia.
Hoje, aos 47 anos de idade, não há orgulho ou vaidade que persista em face aos meus obscuros. Trinta e quatro anos se passaram desde meu primeiro poema. Talvez mais, se considerar o primeiro beijo de uma infância, em uma menina chamada Rita de Cássia e que me fez o homenzinho mais orgulhoso, com sapinho na boca e tudo. E era dia de São João.
Amores de poetas são eternos. Na maioria impossuíveis. Não são carnais apenas. São libertários de si no outro e tornam-se plurais nas realizações contínuas da luta pela sobrevivência e na convivência das contingências e conveniências. Não há perfeição e é absurdo desejá-la. O tempo é um aliado desleal a quem a procura. A fonte da juventude está dentro de cada um.
As nossas personas (r)evoluem de sete em sete anos. Morremos de doze em doze. Nos saciamos de nove em nove. Ressuscitamos no cotidiano. E inexistimos a cada ano. A imortalidade não é algo que interesse tanto quanto reencarnar ou, pior, ressuscitar. Eternidade é fruto da ternura, não da compaixão. O mundo precisa muito mais de verdade, justiça e liberdade do que hipocrisias.
Não conto as coisas que fiz nem me descontento com o que deixei de fazer. Os meus mortos me pertencem. Àqueles a quem auxiliei devo mais do que àqueles que me construíram. Àqueles com quem falhei, nada devo: só podemos oferecer o que possuímos em abundância, discreto, comedido e temporal, do contrário nada é sustentável.
Já não percebo trabalhos, ofícios, títulos, prêmios, medalhas, empregos, salários ou rendas. Um dia é o tempo útil de uma excelente administração: o futuro é sempre executado no presente. Não sei o que é sorte. Mas a oportunidade sempre encontra o talento aliado à competência. Tudo requer propósito, esforço, aplicação, satisfação, prazer. Tudo requer autocracia e autonomia: liberdade de escolha, renúncia e responsabilidade. Não há idade. Ou somos ou não somos. Ou somamos ou não. Ou participamos, convivemos, partilhamos ou não. E tudo tem seu preço. E muita pouca coisa, mérito. Muito menos reconhecimento ou gratidão. Nada é mais maravilhosa do que a incompletude.
Este livro não é presunçoso. Muito mais um resgate de catástrofes (im)pessoais: enchentes, correspondências de guerra, incêndios (combatidos, latentes e provocados), memórias do cárcere e do exílio, e de amor.

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MEUS DENTES PODRES


A Lenda

Canto I

A insensatez mata. E eterniza.
Ser o múltiplo de pirilampos vorazes.
Ir ao além. Ser desigual.
Transpassar a faca no peito amigo.
Ser aquele que olha apenas para seu próprio umbigo.
De repente, um beijo na face errante, itinerante,
de algum prazer a mais que um bom livro.

Desigual. Bem desigual...
Mesmo que não aceite, crave os dentes na jugular!
Que não lhe sirva o tipo ou o copo,
consuma e cobre cada segundo de sua seleta companhia.

Desigual.
Uma fonte de vaidade e orgulho sem par, onde liberdade
é uma bandeira tremulante de usos e abusos,
em correspondências lacradas e agulhadas nos olhos...

Canto II

Prazer...
É preciso ter alguém para depositar incoerências
e exercitar manipulações,
aquelas belicosas cruéis fórmulas de clamor sarcástico
e masoquista, em que quem paga goza
mais do que quem recebe.

No fim, as violências se transformam
em sagacidades intelectuais;
a leviandade, em misérias comuns.
A simples idéia de uma carícia é nojenta!

A lenda fixa seus brasões
na parede de seu buraco negro.
O vampiro segue mitigando piedades
amorosas e moedas de escambo.

Ambos procuram-se em eternidades.

Extremos...
Dos abismos infernais aos pés do Santo.
E aquele gosto de sorvete mal sorvido
ou de bebida mal servida pelo garçom
mais velho e carcomido por gorjetas sem gorjeio.

O bêbado é eunuco.


Canto III

A oferecida não se preocupa.
Há muita carne no supermercado da vida.
Para que poupar a polpa da fruta
que em desfrute se oferece.

Vampiro não envelhece...
Nem recua diante da verdade ou da prece.

Impetuoso. Cruel. Tirano. Reles. Vil...
O metal mental. Aquele que se diz sem censuras,
mesuras ou bem querências...

A lenda não.
Imperatriz desmistificada,
desnuda em praça pública,
pranteia um gemido agônico,
desarmônico, uníssono.

Castrada em suas primazias,
Verifica-se ridicularizada e morta.
É o princípiofim.
No velório, uma lágrima sem destino.

O vento passa pela cidade removendo
a poeira dos livros e sacudindo
os pomares mal cultivados das paixões
pretensiosas em felicidades não venais.

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Amplitudes & Meandros


Apenas o sol em busca da sinfonia.
Em uma solidão continental, a guerra entre o intelecto e o irracional. Tornar-se comestível, social agradável, amante devorável. Fazer-se mente desmontável, corpo moldável, latrina móvel; iludir-se e dotar o tempo de razão. Justificar este tempo! Ser julgado, condenado, encarcerado em si. Ver-se temperança transformada em atitude. Aprender a escalar os próprios obstáculos. Jamais removê-los para abaixo do tapete. Jamais desbordá-los. Apenas o sol em busca do sal. Consumir as próprias fraquezas, destruí-las, ou ser devorado por elas. Sobreviver às satisfações: engula a gula. Esta que devora e coagula. Este verme epiderme que se expõe. Nada proponha que não seja realizado. Neste claustro, há a solidão universal: apenas o sal. A sinfonia em busca do sol!

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Asa quebrada

Asa quebrada, olhar ferido.
Sem pé ou tripé, um corpo solto há cem pés.
O nada estendido entre dez segundos de calma e os
Milésimos quadrados de alguma insensatez.
Morte lenta, comedida, premeditada.
Morte anunciada, declamada, enredada.
A busca desenfreada de vida, paixão, prazer...
Amor grandioso sem fragilidades ou escusas burocráticas.
Escuna naufragante é a dor sem luz ou partejamento.

Asa decepada, olhar dilacerado.
Sem fé ou rumo, nenhum prumo o desprazer de desencontros.
Atroz , a luta procurante de risos e cantantes.
Triste o entardecer sem os passarinhos gorjeiantes.
O belo acontece na teia que finda no aspergir
de tons alegres de manhãs em eternitudes.

Absoluto é o luto, nunca o desencanto.

Não desejamos gorjetas.
Não somos dignos nem da sarjeta
nem de piedades.
Tonto, uma tortura inebriante
em prisma ou caleidoscópio
crepuscular onde maravilhosa
é a foz que não é rio nem mar.

Não precisa o amor de serventias...
Em viandante o velho moço senta-se na borda de seu poço.
Uma moçoila o aquece independente de garantias.
Não há tristeza onde o calor a manta aquece.
Não há esquecimentos onde o presente ocorre.
Não há pressas quando do amanhã já se fez paço.
Fugidia estrela caminhante ou caminheira,
o homem é sua própria cordilheira

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Solar da Escuridão (Os Obscuros)

I
Iluminando o oculto verso da pena soberana,
Erga-se magistral a escrita incandescente.
Canção serena, adaga transparente,
Eis que a lira dos dragões ergue-se plena!


II
Quando errei inda era moço,
não (me) enxerguei, na escuridão, o fosso.
Não sei dizer do cárcere a cela,
se me atirei ou me atiraram nela.


III
Não sei qual julgamento tive, quem me julgou, qual foi meu crime?
Mas tenho certeza da inocência finda,
daquele olhar (de amor)
que se perdeu no tempo.
O gume desta dor espada nada priva.
Nem o belo adorno do cais mais fulgurante,
nem os florais da casa velha.
Pleiteio em asas, ante a fúria dos tufões,
a vinga dos trovões sobre a lira antiga.
Tendes por certo, amor:
nada resta em mim
dessa ninar cantiga.


IV
Como viver sem verdade.
Humilhação sagaz aos inimigos,
cruel morte aos traidores!
Aos covardes: o abandono, o terror,
a indecisão, o pânico!
Aos imbecis: escuridão, ignorância e medo.
Não se leve a luz à escuridão!!


V
De sótãos e porões e solares obscuros,
vem o brilhar da história.
Exija do tempo o seu viver e deste mundo o seu lugar.
Neste ser que muitos são
não há lugar para o esquecer.
O aço fel desta dor estrada nada criva.
Nem mesmo o vil prazer do morto vivo,
Nem o bel arroto do gordo frade.
Que a vida maior, maior se torne.
Vitória aos comuns na coragem de uma mesma fome,
Honras e glórias aos bravos da batalha.


VI
Erga-se magistral a flamejante escrita.
Eis que um grande rei pleiteia
junto aos deuses seu triunfo:
derrotados estão os seus demônios.


VII
Eis que a lira dos leões ergue-se plena:
Canção guerreira, estandarte triunfante,
Mortas estão todas as virtudes,
Iluminando o oculto verso da pena soberana.

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Capitão de Mar e Guerra


Promessas demais. Santificar demais.
Querer ir para o paraíso nas preferências
do bar da esquina ou no menu
do bordel do fim da rua.
Aquele de todo o capital possível e disponível
na conta corrente do contracheque mais próximo.

O próximo, por favor!

Verdadeiramente detestar verdades.
Adorar uma alegria descontente
e fugidia deste amor sem garantia.
Querer qualquer coisa que seja boa e vida:
trabalhar o suficiente para ser feliz.
Curtir bem, como bom vinho, uísque ou conhaque!
Bebericar uma boa cerveja acompanhada de boa companhia.
Amar sempre insuficientemente para sentir falta da gente.

Promessas demais. Santificar demais.
Querer ir para o paraíso.
Mas estar cada vez tão próximo quão distante.
Como somos tão ignorantes.
Esta incongruência entre real e imaginário.
E todo o desconexo contexto do entre céu e terra.

Mas seguem o curso, o marco e a memória:
do outro lado da rua, uma nova vala sem face
de demônio nem riso angelical,
apenas uma outra história e seu final.

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Fantasmas

lembranças mortas amanheceram ontem velhas mentiras hoje grandes verdades um livreto de memórias nem minhas nem tuas ultrajes transformados em banalidades normalidade da inutilidade constituída verbos sem escambo moedas sem aduanas e arquivos mortos homens triturados no liquidificador de panacéias ditas qualificações equacionados desarmônicos de sob viadutos e a ordem imposta em mil tributos de sobre ofícios e algumas notas um livrinho de memórias tão minhas tão tuas as recusas ao pranto e o afirmar-se suplantar a dor calado esplendor do argumento que rasga o véu do sentimento e revela a face crua eis a máscara de sombras e fantasmas aquela marmita azedada no lotação dos sem hemácias ou leucócitos o resto de luminosidade do riso infantil e meigo que se deixou no abandono de quimeras e o ígneo autocrata de toda paixão quiçá de amor o verso espanta é fria a lápide do desencanto cárceres privados e anônimos espíritos lembranças que nasceram para serem esquecidas ou como bem convier enterradas vivas

As boas não são memórias.

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Emboscada

A vida inteira entender antes um eu, após você.
Depois da meia-noite, esta inteira desfolhada de outonos.
revelar-se dolo o tolo em busca errada. Emboscada.

Todo tempo finito é postulado da aurora.
Infinito é carinho sem hora, beijo segregado na lembrança.
Sem medo da noite nem fugidio do amanhecer, o canto.
Uma voz que grita destemida jamais cega o bom ouvinte. Emboscada.

Crescer... ...ato indecifrável
de decodificação contínua.

Nudez em máscaras: fraudes consentidas
no descarnar do olhar no sorrir sem dentes
expor, jamais amar.
Tudo é nitidez de ser e estar.
O morro em sol brilhando,
o igarapé se desaguando sem flores;
antes do som e da imagem o sego vertigens, o mudo. Emboscada.

Lá na frente, o louco e a imensidão.
De repente tudo é grandioso, gigantesco, primoroso.
Tudo é prazeroso e profundo além da tenda.

Esta pequena morte
que cria o mito,
é a mesma sorte que revela o mundo.

Toda a inocência é um grande precipício.
Toda virtude, um passo ao descalabro.
Não faz alarde. Acenda o candelabro.

Amanhece tarde quem em si não arde.
É de silêncios que se faz saber,
é de viver que se faz amar. Emboscada.

Jesus!! Desce da cruz!
Acende a luz e abre a porta!!
Ó céus!
Restou o resto que não restou. Cilada.

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Canto de Morfeu


Haveria outro e outro e outro.
Mas todos os mesmos
Nomes ou números.
Apenas um capaz amar. E de morrer.
Somente um capaz de ser.
E não temer.

Grandes os que amam sem temor, vergonha ou lei.
Humanos são.

Não mais que verbos em famigeradas bocas de vermes
Nem menos que versos em teares.
Universos. Incomum, a comunhão.

Dormiria nos braços de Morfeu...

Vislumbrar o distante de sempre: eu sou eu...


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Clarevidência


Dia a dia, adia.
Fazendo e desfazendo, tentando refazer.
Desencontrando palavras e um dizer sem gosto.
Há em cada ação um clandestino,
um fugitivo.

A vida sufocando o belo.

De repente, num papel uma tangente urge,
emerge, e não é dor.

Nem poesia.


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O garimpeiro, o boi e o boiadeiro


A vida é curta demais
para perdermos tempo
com insignificâncias;

A vida é curta demais
para perdermos tempo
com desculpas;

A vida é curta demais
para perdermos tempo distribuindo culpas

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Logos


Na brisa o (por)cento...
Gratidão no café,
Perdão no jantar.
Dormir na incoerência,

Mas antes,
rezar.

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Abba Pater


No peso de tua linguagem hás de encontrar,
Em múltiplos espelhos, mais que miragens,
O imperfeito de tuas palavras...

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NAVEGADOR MATRICIAL


I
Quis ser sincero espelho ao te encontrar despida.
Fiz-me forte e imbatível; imortal, quiçá!
De aço inox revesti-me garras.
Atrás de muralhas segredei ternuras.
Diante das adversidades - fome, frio e medo –
em meio às vorazes paixões,
protegi-me em ti; tu em mim.
Cúmplices. Infiéis amantes de toda via.
Nenhuma certeza nem garantia.

E, hoje aqui, no de repente da revelação,
cárcere de paixão e morte,
vejo destroços e abandonos,
distante da distância, longe da lonjura de mim.
Olho-te. Não mais promessas ou esperanças.
Apenas choro.


II
Pranto escondido de mulheres fortes e únicas;
silencioso, jangada que partiu sem regresso.
Lágrima sem choro do rosto macho, um grito
sem rancor ou mágoa que corta a solidez do desumano
e fecunda o coração do homem.
Uma gota desintegra-se em pó, pedras e sal.
Um rio percola a face, abrupto, brutal;
mescla do punhal guerreiro da prostituta e
do cálice cigano das vertigens.
Nós do só, escravidão.
Vitórias sem canto; derrotas sem perdão.
Rio-me de dores ancestrais, marcas, tragos inúteis:
certifico-me derrotado e morto.

Toda a beleza é calculadamente fria e obsoleta;
somente o magnífico nos desperta de nossa pequenez;
somente o maravilhoso nos faz doer, soar, chorar.


III
Tua beleza obscura e envelhecida singra.
Tentei (sem sucesso) felicidade longe de ti.
Escura e adorada do conhecido de ti não amava,
era amado.
Livre de armaduras me distraia em arabescos.
Sem gentilezas ou traições.
A minha ignorância me bastava.
Saciados os nobres senhores do feudo de teu corpo,
sexo,
ranger de ossos e dentes.

Escura e adorada era em que não te conhecia.
Isento de felicidades.
Bastava-me derramar o sol sobre a terra.
Cultivar lembrança da névoa matutina e da
relva orvalhada, pletora de aroma e sabor,
fugaz mas inteira adorada e amada escura era...


IV
Divirtamo-nos em contradições ambíguas.
Feridas sem toque.
Morte sem dor e a eterna cobrança do justifique-se:
mas nada há a justificar para o amor,
nem sustento os tentos,
nem asas nem ventos.
A casa lar. A casa alar. Acasalar e partir.
Consumir-se no ato de consumir o consumado ato.
A arte e o fato. As fotos do de fato: nada de jóia rara!
Limitação barata


V
Invejas.
Tu existes simples em mentes dos simples mentes,
sempre exististe e sempre existirás!
Eu amanhecerei não mais que estrume.
A ressaca dos abandonaram-se.
Um cheiro de velhices eternizadas sob o verniz dos ditos.
O mundo adubará o universo. Mas eu não.
Escravo.
O liberta linguagem que paira soberana
sobre o absolutamente necessário e conveniente.


VI
Vejo-te exuberante e maldita; velo-te sagrada e pagã.
Mais impura mãe que me fiel irmã. E doce, e meiga, alegre incauta.
Incestuoso paradoxo amado, amada minha.
Mesura do intolerável insolúvel, insustentável, impossuível.
Métrica de grandioso amor que não se
amamenta em confortas sem confortos.
Tempo de amar que não se comporta e
nem unta a forma em grande amante:
fecha a luz, apaga a porta!

Rasgo-me: odeio-te.
Ódio, ódio, ódio.
Somente ele me fortalece as covardias.

Raivas. Deságua-las todas nas revoluções de teus quadris.


VII
Poucas palavras diante do Dragão: um beijo na boca do diabo,
um afago no estomago do tubarão e a espada
cravada na rocha impenetrável do saber.
Oh! Mas que horror! Aquela rosa indomesticável
que traz-nos em si todos os espinhos
e cravos e domínios sorriu!
Oh! O mundo acabou! Estamos perdidos...

À vela içada: a velha lançada no peito de Cristo.
A palha assada no lombo dos cordeiros
e aquela canga carregada por jumentos e bois
que giram a moenda da cana e a mó dos grãos.

Um jangadeiro.
Vencida a arrebentação dos arrecifes, a sincronia
perfeita entre o que se espera
do inesperado e o que se faz com o resultado.


VIII
Ser nulo. Espantosa nulidade, completa inércia.
Absorto descompromisso, inteiro submisso.
Quebrei-me em todas as promessas.
Arremessei-me contra todas as regras.
Despida a túnica do Santo, a visão do vil,
tirano, delinquente.
Insano! - gritam nas praças - Demos-lhe tudo e é assim que nos retribui!
Bêbado. Um bêbado, nada além disso...
Merda metido a besta, pedante e pobre...
Ignorante mente pobre.


IX
Decretado está: éticas são inúteis!
Amada minha, tão velha mente jovem
a sitiar o obscuro de mim.
Lastimável estado de quem desencontro busca.
Exiges um nada de trágico, dramático, passional.
Prudências e coragens, equilíbrios e equidades:
beleza, alegria, ritmo, harmonia...
Não consegue desgarrar-se dos velhos dogmas.

Nesta redoma Terra, nesta cela vil corpo:
Liberdade! Liberdade! Liberdade!

Almejo teu canto de sereia,
tuas praças, luzes, fuzis, granadas e bandeiras!


X
Ciente: és uma cortesã!
Serves a quem paga.
Educada, fina, a vaca!
Não fala de política, não subleva a miserável plebe...
Não te preocupas com ela: não, não é digna
de tua atenção a tua ignorância.
Deixa-a em paz. Tu a irritas.
Mas tampouco, bela dama, fala verdades aos fortes...
Jamais sejas direta e confrontativa,
mas cínica, divertida, fútil.
Quem desafie os nobres,
paga o preço do descalabro, desterro, desfortúnio.
Tua bolsa murchará e teus fiéis te abandonarão.
Deixa os erros aos errantes. Não te tornes imperdoável.
Nada, nada te é mais mortal que o abandono.
Ciente: és uma cortesã!


XI
Devo pois, confessar-me incauto.
Só quem muito ama julga em verdade.
Tu e tão somente tu, júri do bom senso,
me julgaste tolo.
Irresponsável, inconsequente, aventureiro.
Mas querida, somente sofre o cliente inconsciente.
Sei bem do que e como (me) falam mesmo
que nem eu me escute:
nem a razão é verdadeira se não se paga.


XII
Não me esqueça de pôr preço em cada manhã, tarde e noite.
Fome. Insaciável e insone.
Findo-me entre imperfeições e incompletudes.
Maravilhosa ida para não sei onde.
Lá chegando, o não retorno.
Nas malas, apenas tua ingratidão
ao verme parasita e senil, enlouquecido
e dissecado.
Risível em seu ígneo, ingênuo e sarcástico riso.
Ei-lo o boçal aprendiz em êxtase profania.
Dor avante, és livre em meus egoísmos.
Epifania!
Vai, libertina, abraçar teus amantes.
Vai, cortesã, deitar-te no abarcar do mundo.
Sem máscara, amada minha, vão-se os lábios,
olhos, ouvidos, braços, pernas, sexos, mãos, passos e
mentes iluminarem-se...
Não chores. Não sejas hipócrita.

Teu meu. Meu teu.
Um só se torna e dou-me em ti e tu em mim
em um mesmo mundo num só pensar.


XIII
Amei-te desde o instante primeiro. Tornei-te teu antes de mim.
Irrita-me esta exclusividade. Pouca valia.
Por vontade própria ou não, submeti-me aos desmandos teus.
Capacho de teus humores e prazeres,
tornei-me mais desculpas que vontades.
Mais culpas que verdades.
Queres por força tudo o que desejo por paixão.


XIV
Sequer existia quando ao universo te ofertaste.
Mas me fiz vida, água corrente e luz do dia,
Pois de amar vale a lida, o agradecer e o ir em frente.
Ai de mim! Envelheci rápido demais.

Feliz ao teu lado, sempre boa a tua companhia; tuas rebeldias foram-me meigas.
Entardeci enternecido. Iludido, talvez...
Caduco, pobre, surdo, meio cego,
arrastando-me por entre móveis e lembranças esquecidas, sempre, sempre boa a tua companhia. Nunca, nunca me abandonaste.

Oh!- me apercebo - como me amaste!!
Perdoa amor a minha pequenez...


XV
É tarde... É tarde, amor... Vá! É fria à noite.
Estás tão linda, mais moça, leve e pura.
Vem, vamos dançar...
Só tu conheces a fonte da eterna juventude.


XVI
Cai o pano.
Acendam as luzes e abram as portas!
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade...

-=-

EMBRIAGADO

De Amor e outros proscritos

Para Nivalda Marques do Nascimento
Uberaba, MG, jan/2006

1

Dos braços de homens faz-se verbo.
De suas preces justifica-nos atrozes.
Ergue-nos lança, adaga, espada.
Homem-aço, laço faz-nos gume de navalha.
Enternecer girar cirandas
por congás, folias, catiras e rodas.

Doridas, embriagar-se nos confins do universo.

Rei, senhor, sacerdote, profeta;
Mago, grão-mestre, semideus...

Imortal.

Liberdade, justiça, verdade!
Honra, coragem, dever e sacrifício.

Fênix de carnes e ossos: dignidade, equidade, lealdade.

Sob o triplo sol de Leão,
sob as hostes do Dragão:

Glória a Marte, Morte a Eros!


2

Embriagado.
Defenderás os pobres, os órfãos, as viúvas.

Erguerás tua voz contra as injustiças;
vestirás os nus, darás bons conselhos, promoverás a justiça.

Tua nudez será sagrada nos óleos do prazer;
Tuas mãos modelarão o barro indócil do saber;
De teu olhar brotará a humildade, o entendimento, a fortaleza;
em teus pés depositarás as asas do firmamento:
temperança,
perseverança
e fé.

Erguerás teu clamor e todos os deuses te ouvirão.
Uma vez guerreiro, tuas armas e escudos resplandecerão a luz.
Teu exército erguer-se-á sobre as colinas.
Seguir-te-ão teus fiéis legionários:

sem medo da morte, nem temor da derrocada.
A sorte privilegia os destemidos.


Irão aos abismos infernais em nome do ardor,
da vida, da igualdade, do amor fraterno que vos une.

Liberdade, justiça, verdade!

Coragem, determinação!



Ergue tua voz.


3

Embriagado.
Ruas, praças, avenidas.
Esquinas e vidas.
Um coração selvagem
caminha pela noite escura.

Arca, ponte, portal e chave.

Cavalos-marinhos alados te protegem.

A lua te envia melodias de ternuras e encantamentos.


O sol aquece o coração selvagem.


4

Embriaguez.
Embriaguez completa.

Alea jacta est.

Epifania divina de não ser.
Loucuras visionárias (con)textualizadas
em planos outros. Infernos delirantes de demônios interessantes e magníficos. Criações sem criaturas.

A verbe e o estro, o mastro sem maestro.
A nau flutua sobre as nuvens
e epidermes. Não passamos de uma hibridez
de inseto e verme.

Predadores, parasitas, detratores.
Consolo humilde: o homem morre em seus mitos...

Revolução:
Destrua tuas caravelas.
Apague tuas velas,
sangra tuas veias.
Rasga tua terra.

Vê tua cova rasa, silenciosa e tudo.

Nada cala o mundo: pague a conta.


5

Famigerada espera
de compreensões
ao longe das manhãs.

Ao largo se posicionam
as frotas sem rotas,
rôtas de tantas eternas
parcas palavras.

Parvas. Podres.Vazias...

Naufrago embriagado...
Terra a vista no prazo das auroras.

Sic transit gloria mundi.

Oh! Com certeza.


6

Arquipélago.

Plêiades se curvam ao digníssimo.
Ilhotas medíocres se intitulam
titulares do credo. Deus riu-se
das infâmias, chorou dos risos.

Um Cristo entronizado
entre os pobres rebelou-se
ao descaratísmo. Melhor ser apóstata.

Somos aleluias.
Embriagamo-nos todos
no amor e na paixão da luz.

Desnorte, dessorte.
Nesta cruz cada qual é sua própria morte.

Despidos banimos os mercadores.

Minha nudez tão tua.
Meu coração tão teu.


7

Embriagante embriaguez
Que me embriaga a alma
e me despe a tez.

Vestidos. Vestes são máscaras.

Oh! Como somos tão ridículos sem elas...

Púrpura, magenta e laranja.

A noite vem.
Um gosto de imensidão.
Profundo é o mergulho
na abóbada dos mitos.
Cada estrela, um reflexo
do refluxo dos idos.

Sob os pés, o mármore.

Homens não são rochas. São tochas.
Frouxas. Frágeis. Tremulantes...

Como somos imbecis.
Estúpidos. Tiranos. Vis.
Como somos miseráveis...
Importamo-nos
ao sem sabor,
destituímos de valor
tudo que é belo
ou marvilhoso

Tato e paladar.

Divino é ser humano.


8

Homeopatia astral.
A noite brilha muito além dos néons.

Um grilo falante brinca
de super-homem
na boca do sapo.

A princesa beijou-lhe
a boca desdentada,
mas ele não virou príncipe.

Um jacaré azul dança
com uma baleia verde.

O lobo mau é bonzinho.
Nunca se esqueça, minha filha:
o lobo mau é bonzinho...

Tem um coelhinho
na cartola do mágico;
Uma poção de amor
no chapéu da feiticeira.
Jogam-se runas entre as esquinas.
Numerólogos tematizam
nas mesas de sinuca.
Magos cartografam mapas astrais
nos céus plurais de multibocas.

A dama (en)feitada
ao rei devota
sua passagem fugidia...

Um pedido a estrela cadente:
seja-me fiel por dez segundos.

Um trago sem estragos.

Um divisar sem divisor.


9

Apaixonante.

O cafetão reclama o bem
de seu não pecuniário;
Ela recusa-se a dizê-lo
não amante.

Ó, espanca-me!
Toma minha alma!
Meu gozo, meu amor...

Dádivas são dívidas.
Nunca se esqueça, minha filha:
dádivas são dívidas...

Mais um trago...
Mais um beijo
na boca do diabo...
Mais um gozo sem estragos.

Não, não morde,
não marca,
meu marido é ciumento.

O beija-sarjeta,
o cantar do clandestino,
o devotado ao sem destino.
Prazer e dor.
Prazer em dor.
Prazer é dor.

A dor não pode ser maior que o prazer;
Nem o medo pode ser maior que o amor!

Êxtase e gigantismo.
Pequenez e gratificantes:
gestos de cumplicidades soberanas.

De grátis: nua e crua, a lua.

Não, minha filha!
Não se iluda!
Não existe almoço sem pagamento!


10

O silêncio.
Sábio e divinizado silêncio.
Incomparável plenitude...

Silêncio: soturno embriagado inebriante.
Voz dos anjos, suplício dos demônios.

Diz-se prece. Revela-se praga.

Eu e eu. Horrores do Eu sou eu.

Quão magistral e magnífica
companhia o Eu.
Quão pequeno o eu.

Eu e eu. Eu e deus.
Quão tolo deus.
Quão dolo aos teus.

Sublime sabedoria.
Um diploma e todos
os demais são fátuos
fatos de enfados.

Não se esqueça minha filha:
A vida inteligente só começa após o doutorado!

Uma fada.
Um gnomo.
Um ente.
Um ingente.

Meu manto.
Minha toga.
Meu juízo.

Meu prejuízo tão lucrativo.
Orgulho e vaidade
são fundamentais
à humildade.

Acordamos mais pobres
diante da releitura.

Esta percepção de que
tudo em nós é pouco e impuro.


11

A apuração de nossas estatísticas.
Real realeza que dista da plebe rude.
Pó comensal na mesa dos moedores.
Pilão sem batéia.
Pano de prato sem lavoura.
Depuramos vinhos, queijos e aços.
Lubrificamos engrenagens.

Ossos e couros, esculpimos
com mui zelosa bondade.

Morremos todos de nossos próprios nomes.
Fomes inomináveis de excessos múltiplos da escassez.

Nas lápides vêem-se
jovens descuidados,
adultos desgostosos,
idosos cansados...

Nos demais,
mortos de mortos
por morte morrida e aqueles
que ultrapassaram a própria vida.

Embriaguez comum
o pranto dos órfãos
e viúvas da minha terra.
Triste o abandono
de nossos velhos
em pocilgas pré-tumulares.

Glória a deus nas alturas das chamas do inferno, aos homens de tão grandiosa boa vontade.

Mortos, mortos: preces para os mortos!

Um brinde a vida!
Embriaguemo-nos!
Bebamos o morto!
Sorvamos sua ebridez delirante,
sua eterna via retirante.

Venham, amigos, à taverna, nos aguarda a aurora.


12

Embriagado.
Torto. Tonto.
Caído dos dez centímetros de altivez.
Porco. Mal cheiroso, imundo.

Grande o mundo, pequeno o homem.
Grande o homem, pequeno o mundo.

Imundo.

O bafo mesclado de macho e ninguém.
Gosto de tabacaria com bordel.
Cheiro de passageiro de trem
depois do expediente nas docas.

Expedimos cartas aos homens de bem.

Nunca saber
de boas respostas
ou algum vintém!
Dádivas são dívidas,
meu bem...

Ah! Andrajos de rei...
Cantares de profetas.

Embriagados, somos mais
que reis e profetas.

Deuses alegram.
Guerreiros enfrentam.
Animais devoram.

Embriagados,
somos cruéis, ardilosos, vorazes.

Amantes amam.
Destemidos ousam.
Incautos, pobres incautos:
sempre morrem
os tolos antes da sorte...

Embriagados,
somos generosos, dadivosos, voluntariosos.

Homens humanizam.
Infantis divertem.
Solidários partilham.

Le blueu! L´amour est blueu!
Mon amour... est moi femme,
Mon petit femme blueu...

Uma dose de harmonia
em si ilumina o cosmo.

Taverneiro! Traga-nos mais vinho!
Mulheres, dispam-se!!
Vamos, taverneiro, pão e vinho, leito, mel e queijo!!

Ó! Uma gota de amor sublime inunda o oceano.


13

Nos teus seios fartos, mulher,
deito meus versos.
Escrevo por tuas coxas
os lumes apaixonados
dos poetas de outrora.

Verifico-me teu sem fragmentos.

Antropofágico,
devoro por partes
teus caprichos.

Vagando por tuas ancas
descubro meu astrolábio.

Em teu dorso degusto
olores de prazeres inebriantes.
Não direi te amo.

Devoro tuas frutas;
as como em teu pomar.
Colho tuas uvas,
maçãs, pêras e romãs.

Sou teu licor,
teu esplendor,
um lugar.

Manhas e manhãs...
Uma brisa fugaz e tênue,
um encantamento.

Magia são teus olhos.
Mar, teus braços.
Abissal, teu ventre.
Em desvario, sou caudaloso rio.

És a fonte e a foz.

Teu riso permeia:
despertas as estrelas
antes da aurora.

Degredo:

Areia movediça, amor.
Sou teu. Sagrado. Segredo.

-=-

Poética


Poesia é isto: pulsar.
Integrar-se ao todo:
Este compromisso de ter que provar algo
ou desafiar seu tempo.
É ir descobrindo as linguagens
dos anjos e demônios,
ir modelando a argila ardente
e indócil da palavra.

São concretudes,
cotidianos e partilhas que se erguem
das relações humanas
capazes de, divinamente,
humanizar o mundo:
igualdade,
equidade
e liberdade
sem censuras hipócritas
ou preconceitos estúpidos.

Diálogo, reflexão, ação.

Integração, sinergia: transformação.
Fica fixa uma lacuna de competência incompetente.
Como questão respondida no sem resposta.
Dialética. Sofisma.
Retórica do antagonismo
entre a práxis e a realidade.
Estética. Poética.

A poesia não responde mais do que questiona.
Intenciona, tensiona, conduta a busca...

...não é chave nem porta, apenas caminho, mesmo que torta.