quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sophia

Jodhi Segall






Ao sul ardente sol

Ao norte frio a tirana sorte

Garra de tigre e língua de dragão

Celerado estorvo corvo



amor sem paixão



Tesão



Viola sangrenta a escuridão

Violação consentida a boca do vulcão

Morte helena sophia

Eros compadecido

Morfeu distraído em sua gula

Orfeu traído na volúpia e fome



Ao norte a corte

Ao sul o corte

Cortez laureado em seus exércitos

Caras e velas sem veias

Vela-se: aqui aviam-se mortuários



O gozo ignorado

O riso castro das censuras

A lei do medo e do pavor

Além do horror, o outorgado



amar quem sabe



Ao norte frio

Marte soberano

Ao sul ardente

o ledo engando



Cigano o sal



Da lágrima

o sol



Ao norte o desengano de sophia

Ao sul loucura



Procura a porta torta

a gruta

a grota



Aziago dia sem prazer

Vinho e queijo sem suor

Azeda insone a noite sem soar



O céu da boca é vermelho

O mar das nozes, azul

O rei e o rato


Jodhi Segall


Naqueles dias, saiu Sua Majestade em comitiva primaveril por todo reino.

Fora, é óbvio, cobrar tributos as seus suseranos, aplicar a lei aos seus vassalos e usufruir dos frugais de suas vastas propriedades, quintas e solares.

Nobres Cavalheiros – uma doce e romanesca turba de bêbedos, amantes das coisas fugidias, caçadores de riquezas e imprudentes por natureza – iam à frente, desvirginando doidivanas e incautas matas de moçoilas aldeotas, vez ou outra (chanfurnando-se em preguiças de alheios colos) em justas de “honras” e futilidades elevam o nome de não nobre arte.

Ao meio, alegrando e encantando as vilas, ia a “GRAND TROUP” pululante de atores, músicos, plásticos, enfim, artistas de palco e de tela que levavam a cultura e a felicidade do seu soberano (que mais feliz ainda) ia aos seus fiéis súditos “comer suas rendas em espécie”.

Lavadeiras, taverneiros e mercadores de mel, trigo, especiarias e tecidos engrossavam a corte real.

Ah! Prostitutas e bufões, é claro, bem como o clero (contabilistas do rei e judeus banqueiros cambistas das liberdades) não poderiam faltar...

- Viva o Rei! Deus salve a Rainha!

- Saudações de júbilo por todas as partes.

Assim ia-se o Rei a exercer sua divinal justiça e a encher suas julhas...

Foi quando, numa destas tardes quaisquer em que distraído para a morfe, João pé-de-chinelo estava, no pomar do solar do soberano, a degustar ao lel-desfrute saborosas vinhas, que se deu o espantoso e legendário encontro do Rei com o dito rato:

- “Não há terras sem senhor” – alardeou ao avistá-lo o arauto.

- Pega! Pega! – incita o real séqüito.

João pé-de-chinelo não se abalou. Vinhando estava, vinhando continuou.

Diante de tamanha ousadia a guarda real quisera, ali mesmo, supliciá-lo, mas era um grande Rei: cínico, realista, cruel, dogo e benéfico.

Duro; intempestivo; ardente e imoderado com as mulheres; corajoso; poeta e trovador, “amigo” de todos os Castelões...

Um perfeito cavalheiro, destes que adoram uma boa refrega e que não perderia uma oportunidade ímpar (como tal) para demonstrar sua opulenta e majestosa justiça.

- Tragam-no! Eis que desejo conhecer tal beligerante! – ordenou.

João, trazido aos ferros, apressou-se aos pés de seu senhor: - João pé-de-chinelo, vosso mais humilíssimo servo, Majestade! Eis-me aqui, às vossas mercês em corpo, alma e espírito, meu Rei e senhor!

- Não sabeis serem estas as parreiras das vinhas das quintas Del Rei? – inquiriu o Chanceler.

- Não só estas, senhor, bem como todas as terras do reino! – respondeu-lhe João, firme e cabisbaixo e penitente diante Del rei.

- Ora, mas que insolência! – ira-se indignado o magistrado.

- Oh! Mas que chiste! – encanta-se El Rei, que prossegue: - O que fazeis? Qual vosso ofício? (E dirigindo-se aos convivas) Além, é claro, de furtar as uvas... (Risos em geral) Quereis, por desventura, acender-me a cólera sobre vós?

- Não meu sol! Luz esplendorosa a iluminar as sendas mais distantes do universo e talhar com nobre piedade, justiça e valor, a história humana. Não, meu Rei! Longe deste humilde poeta e trovador despertar-vos a ira divinal ou infernal cólera, da qual sabemos todos, que sois portador... (E com tom meloso, cabisbaixo e ao som do melodioso aláude, gorjeou:)


“Venho deveras de longe, muito longe, em busca de saber e esclarecimento,

vim por delongas e minuosas estradas,sem prazer ou bom sustento;

Tal que, eis-me aqui, o mais mendicante monge, por entre vossas pradas, a Cristo olhar,

Que ao horizonte vossas tintas uvas de beleza sem par, ao altivo dorso do encantado monte,

Jaz faminto, foram minha gula despertar.

Oh! Meu Rei! Meu Magnífico! Piedade a vós suplico!

Réu confesso: devolvê-las já não posso. Mas feliz e satisfeito me explico e muito sinto.

E deito tardo, em fardo humilde, meu pescoço ao julgamento vosso!”

 
- Ohhhhhhhh! (Exclama a surpreendida plêiade) – Piedade! Clemência! Misericórdia!

Num rompante, o Rei ergue-se. Puxa a espada de seu campeão e firme e decidido a sobrepõe ao ombro do infeliz e profere a redentora sentença: - Eis que estais perdoado por vossa insolência!

Vivas, hurras, clarins, fanfarras...

Mas discretamente, em seguida, pondo-se ao largo, num hábil, destro e rápido e único movimento, degola-o sem o mínimo constrangimento, e, conclui: - Mas não pela pobreza dos vossos versos! El Rei!

- Um grande Rei! – todo mundo

- “Lic transit gloria mundi...” – o frade: “assim passa a glória do mundo” (ato de humildade pontifícia).

Da janela de Quimera


Jodhi Segall





Na penumbra este felino olhar espreita

A vítima de sua saciedade

Difusa visão de olhos cansados

Que revelam a sede e a fome

A linha alinha termos e posses divisados

Dividido parto de partidas feito e recriado

Como retorno de algo ido e não consumado

Mal consumido o ar e suas convicções

Desnuda carne descarnada em gentis fatias

O servo serve o cervo sobre bandeja de ouro

As mãos feudais disputam melhores partes

O gato mira e salta sobre o camundongo

Não há fome alguma

A morte se diverte na alegria dos fortes

E se vangloria na estupidez dos tolos

Cícero decantado

O que lês, Teseu, envio-te daquela praia,
donde, sem mim, as velas levaram teu barco;
onde o sono perverso me traiu,
do que perversamente tu te aproveitaste.

Homero

Desnudo


Em despedaços despede-se Morfeu

Orfeu agora jaz sem Eurídice

A procura por entre escombros dos sem lares

Um braço sem abraço

Silencioso como boca sem beijo

Um barco calado fundeia na cripta da desventurada espera

As velas rasgadas

O casco perfurado por gentis homens

O mastro quebrado pela borrasca das infâmias, injúrias e maus tratos

Diria amor se o houvera

Cantaria se aprouvesse alguma alegria

Ao costado sem cabotagem um verso

Que não é verme nem gérmen

Eólo ergue-se triunfante a questionar Poseidon

Sobre as crueldades de Apolo

Eros e Tanatos seguem opostos pelas estradas de Damasco

Invejas cravejadas de orgulhos e vaidades

Triste paradoxo o viver prisioneiro de uma liberdade inexistente

Não faz sentido tudo ou qualquer que seja o desmedido

Pompeu lamenta-se por sua honra tanto quanto

Toda a ética se dilui antes do pão ou

Diante da cicuta

Dormem todos segundo a relva, o arreio e o arado

Em paz, apenas os covardes.


Tântra

Jodhi Segall


06/07/2010




Entre óleos perfumados e velas aromáticas
Desnuda a alma seu perfeito
Os corpos ali desfigurados entre estrelas e nebulosas
Tocam-se na imensidão astral
As mãos sublimam cada poro
E os chacras se ordenam a cada lento respirar



Inspira

Expira

Explora, implode, explode

Guia e desventura
Cria e recria



Riso e choro
Agônia e êxtase
Morte e libertação


Renascimento