sábado, 5 de setembro de 2009

Duetos

Jodhi Segall &
Sandra R. Braga
BSB, Bar do Gambar,
07/2005

Canto I
O amado
Vagas tamanhas, gigantescas lacunas;
Deuses desnudos em colunas
perfilados te saúdam,
Aurora floral das lonjuras do estar.
Inconstante mar de infinitude, olhar,
Orlar exposto ao sol.
Nego-te porto seguro.
Desbravo fontes,
construo pontes,
desvirgino palavras,
Faço (nos) vau e fundo.
Candelabro de ossos e antigos
Onde repousam indóceis artigos que se tornam.
Em torno de ti entorno a escuridão das estrelas.
Tua luminosidade em ti abrange o termo. Abrasa o cosmo.
Do convés da nau capitânia grito ordens aos titãs que
Velem o sono e me sustentem na batalha.
Deus riu.
Pérolas brotam na abóboda do pensar.
Arco-íris verte o oceano.
O poço fosso de possos feitos paços . O não espaço.
Nenhuma régua, nenhum compasso. Sem regras.
O giro.
Do beijo.
A mina jorra.

A amada
Dragões, tigrões
putos que os pariu
nada mais a ferver
a China nos invade
a China nos oprime
a China...

O palito não fosfórico
o palito que não queima
teima
em tentar abrir teus ouvidos
Ouve...

Canto II
O amado
A China morta. Diante dos tanques,
As lavadeiras. Apenas ladeiras
Ou inundados arrozais.
A China e sua muralha.
Vê-se da lua, a muralha
intransponível diante da fênix
De suas intenções libertárias. A China.
A crina do cavalo e a corda firme que artefata o arco
Polvórico
Da sensibilidade
Surda.

A amada
O eu
O meu
O nosso
O humano inumano do eu
O eu desumano do ser
O eu
Agora.

Canto III
O amado
Leveza. Liso. Nu.
Os guerreiros se levantam.
O sol do som lança seus raios, envia.
Viés de contramestre: céus e terras estremecem,
Espremem a messe.
A massa desperta o homem.
O barro destila seu presente.
Sangue e vinho: vida. O interminável caminho.
Brindemos ao bélico dos sem acordos.
Eis a batalha.

A amada
O deus burguês clama por vingança
Nós silenciamos
De início, tímidos
De início, atordoados
Depois, retomamos forças
Arregaçamos as mangas
das camisas
Arrebatamos as mangas
das árvores
E lançamos sementes ao céu
De lá germinam
Fecundam
Partem...

Canto IV
O amado
Tua nudez caleidoscópica
Tríade imperfeita
Octópode
Quadrúpede
Bípede depenado
Gosto de jabuticaba com melaço de cana
Olor de enternecidos versos esquecidos
Itinerantes viandantes viajantes do sem fim
Dardejantes
Gritos carmins ressaltam o verniz de prateleiras
Cujas folhas outonais não nos pertencem
Bibliografias
Autobiografias
Autópsias
O papiro cômico se abre;
Desenrolam-se meadas sem destinos.
O bicho grito!
Eis o parto.

A amada
O dado lançado ao vento
Morcegos multicoloridos
cobrem nosso quarto

Em pé o (i)mundo

“só verdadeiro vivo o que já
sofreu” recita o poeta
Ao norte, a morte
Ao sul, o gozo
Ah! Minha bússola querida
onde te escondes?

CantoV
O amado
A flecha liberta do arco
Livre transpassaste a esfera aço fumegante
Sem registro ou métrica
Clarões estrondam
Nada de raios ou venturas
Silêncios
Da colina ruge o Huno
Pelas planícies dos corpos trucidados
Uivos lancinantes sobrepujam
o solfejar dos canários da minha terra
Guerra.
Medrar é para os porcos.

A amada
O dedo dos anjos
As asas do vampiro
Bem-mal,
Mal-bem
Bem-me-quer mal
As estrelas clamam por paz
A lua pede silêncio
E nós, idiotas (poetas?), teimamos
em gritar por elas?

Canto VI
O amado
Ó sangessuga!
Verme vampiresco..
Meia, pataca por teu versos, ó tolo!
Quiçá demônio de indigna espera.
De que valem os estrados sem estradas ou
Pulmões sem ar.
Besta quadrada, és orquídea.
Sem lodo. Sem lado.
Sem dados. Sem nados.
Onde, a encosta de teu
Mar ou peregrina adaga?

A amada
Asas negras decepadas
Cobrem o rio de silêncios
“dizer te amo não basta”
A dimensão do pavor
Cala nossa voz
A dimensão do prazer
Deflora
Cá, a escola
a espora que nos fere a carne
sangue rubro denuncia nossa
passagem

Canto VII
O amado
Nossas flores no jardim
sacada de concreto
armado madrigal de andarilho
tenda que tende ao amo que ama

quem dirá de nós os nós que
desatamos em desaguar aguando
tais jardins tão plenos de suspensos
tensos de lençóis ocultos sob os escombros
do maremoto solar que assolou a história
inundou a aurora boreal e derreteu
o mundo outrora polar e
revelou a mendicância de Atlântida
nua e crua
aos golfinhos alados
da imensidão dos teus beijos

A amada
Rituais de passagens e fins
Quero matar-te de beijos
Quero estrangular-te
Entre minhas pernas
E silenciar minha boca

Com tua boca

Canto VIII
O amado
Dista-me de ti despida
Nada de tua nudez quero senão espero mais
Que entrega nua tua alma minha
Afogar-me em teu cálice
Esta integralidade
Não eu nem teus
Sem mitos
Esqueçamo-nos dos ritos
Teu riso me inunda o gozo

E
Arde
Arde
Arde
Arde
Arde
Arde
Sagrado
Secreto
Silencioso
Alarde
O aroma
A praia
O vento
A tarde
O tempo
Nada urge tudo, apenas arde...
Arde

A amada
O sal do oceano
O céu da boca
Lábios infindos
Sob a carne tão pouca
O mundo no horizonte
O mundo em trânsito
O céu atônito nos obscena, observa
E se põe em silêncio

Canto IX
O amado
Onde as palavras cessam
Onde os olhos cegam
Onde os todos se poucam
Onde os tudos se nadam
Envidam

Palavras fitam-se apaixonadas
poucando tudos e todos
E nadamos de novo no novo
do recriar o amor...

A amada
O silêncio insiste em falar
Sorrisos
As lágrimas nos desidratam
O sol cala-se no infinito
Por cá, limitemo-nos ao real que também pode ser belo
O sol calado do infinito
O infinito cala o sol
O belo cativa o belo
que nos impele ao magnífico
Rendo-me.

Canto X
O amado
Se não te amasse que me seria
Não te visse como louco seria meio
Teria eu um mais do quê
Além de tantos por quês
A serem respondidos...
Teu mar é como tarde
Sabor de entre meios
Manhã sem fim
Noite inteira

A amada
O barquinho navega pelo cerrado
Mar escuro dos teus olhos
Dissimulando tempestades
Aproveitemos o bom vento
A proa erguida sob o céu
Navega em cerrado mar
O resto é resto
Só história...

Canto XI
O amado
O Dragão desnudo
Caleidoscópio surdo
Famigerado e mudo
Nada é tudo
Da janela a tênue lembrança dos mortos
Vozes de algum instante
Que clamou chama
Enxofre e lama.
Os rolinhos no cabelo,
As coxas nuas
E um trago aos ratos.
Os pratos que se quebram
Os átrios que se elevam
E os pórticos que se desvelam...
Naquela esquina os
Porcos.

Destinam-se ao matadouro todos os animais.
Nada demais...
E como um poema e
Seus tortos: angústia e
Medo. E falsidade.

A amada
O cão ladra
Quando o homem passa
O cão ladra
Quando o homem grita
O cão ladra
Em silenciosos resmungos
O cão ladra

O cão salta
Quando a moça passa
O cão salta
Quando a moça valsa
O cão balança
o rabinho
O cão

Canto XII
O amado
Inquietude e saudade
Silenciosas...
A fada, a pradaria, o sol
Um rio rubro de tantos zelos. E uma flor
A derreter a neve
Olhar do outro.
Olhar o outro.
Olhar ao outro.
No escuro, não há obscuros

A amada
A chuva inclemente
A mente demente mente
O canto das cigarras
(sereias perdidas entre
árvores secas)
O cheiro da chuva
O montar dos desmontes
O açoite do norte
O norte
A morte
A sorte
Corre na enxurrada
A veia (artística e hemorrágica)
A ceia
Asseia-te
Avia-te
A via...

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