quarta-feira, 29 de março de 2017

O Ahmed

             
 Para Ahmed Kathrada
Jodhi Segall
29.03.2017


Nada me pertence.
Nem mesmo minhas lágrimas!
Ou teu sorriso.

Ao longe escuto um cântico de liberdade.
Tão próximo de nós o global apartheid.

Por aqui, minhas ruas escuras
Ciladam corpos e mentes.
E nada do ontem me pertence.
Nem mesmo minhas lágrimas!
Ou teu sorriso.

Ao longe escuto um cântico de liberdade.
Tão próximo de nós o global apartheid.

Neste meu desfortúnio de inglórias lutas,
Onde as palavras perderam o sentido,
Onde as leis servem à injustiça e
Paredes invisíveis nos separam,
Nada do agora me pertence.
Nem mesmo minhas lágrimas!
Ou teu sorriso.

terça-feira, 21 de março de 2017

De te amar

 (Dulcinéia Candanga)


Jodhi Segall

Nada de suaves e amenas ternuras.
Não fomos afeitos a volteios 
que não sejam bailados de quadris 
e pernas sobre as nuvens da imaginação.

O papo é reto e seguro: nossa nudez 
transcende o olhar 
e o desejo, 
está muito além de qualquer beijo,
e não carecemos de explicações 
ou culpas!

Nesta sofreguidão de liberdade e êxtase, 
onde a paisagem sempre surpreende o desafio, 
o gozo não solicita permissões.

Nada de educações: não, nada de docilidades 
acerca da fome que assola o paraíso. 
Nada de timidez 
quanto à percorrer vales e colinas 
nunca dantes desbravados: 
cada momento é único!

E assim, exauridos na paixão ensandecida,
sob uma luz avassaladora,
sem dor alguma, e um sorriso safado,
partimos.

terça-feira, 14 de março de 2017

Normativo


Jodhi Segall
Para Fernando Pessoa
I
Todo poeta é filho, irmão e pai.
Bom companheiro na caminhada.
Gigantesco amigo!
Rico por natureza,
Gentil ética possui.

II
Todo poeta é um grande amante:
Uma mescla da razão de um falso sacerdote incandescido com
A alma inebriante de indômito guerreiro insandescido!
Raramente é um trabalhador exímio em seus ofícios
Para aquém ou além da palavra: texto, contexto, mensagem.
Quando assim deseja ou a necessidade clama;
Respeita-se a importância da boa paga por seus (em)préstimos:
Apesar de ser telúrico, sabe que Deus mora no estômago!
Nenhum poeta é suficientemente grande para que não
Seja disciplinado pela fome cotidiana e comunitária.

III
Poetas adoram, idolatram a beleza, ainda que fútil ou frívola.
Tudo no poeta é perene fugacidade do tempo.
Rude e grotesco diante de seu espelho das almas,
Normalmente é um duríssimo autocrítico.
Mas não é bom ser mais realista do que o rei:
Não se deve ser ingênuo por demais, libertino, patético.
Não é um ser muito organizado nem muito prático,
Mas entende que a inocência é um pecado mortal.

IV
Preza as virtudes, ainda que mortas.
Amoral em sua impermanência;
Impertinente em suas estadias;
Contraventor em suas liberalidades!
Instigante partejador.
Incauto por amor;
Tolo quando necessário;
Sábio quando do impreciso;
Útil na escuridão!
Essencialmente: kamicaze!!

V
Todo poeta é todo mundo.
Do bom e do mal.
De incompletudes vive: nada nele é concreto.
Tudo nele é desconforto, contraposição, contestação.
É um insatisfeito: a imperfeição é sua aliada;
O conformismo não o alimenta;
A perfeição não o engana.
O confronto lhe é mais:
A morte é sua melhor companheira!
Apenas o mau lhe afeta o gosto e o modo.

VI
Todo poeta é invejoso por demais: detesta hipocrisias!
É mentiroso: nenhuma verdade lhe é absoluta!
Nada em um poeta é divindade.
Tudo nele é obscuro: a escuridão é sua morada.
Tudo nele é partilha: humanidade! Porém cruel!
Não nasceu para a subserviência. Porém, serviço é seu nome.

VII
Tudo no poeta é palavra, criação, louvor.
Sentimento, rumo, valor.
Tudo no poeta é grito: indignação, manifesto,protesto!
Hiperbárico e inter-semiótico,
Tudo em si é exagero: o bom, o mal e o feio.
Poetas são prudentes plenos de suas imprudências.
São orgulhosos e vaidosos, portanto, humildes.
São maravilhosos quando entendidos e discretos.
Comprometidos com a justiça, a verdade e a liberdade,
Nada no poeta destoa, nem mesmo a crítica.
Tudo no poeta é regra: amar plena e livremente.
Normativamente, é ser pessoa.

(É... Ser poeta não é fácil!

Mas vale a pena)

O Juvenal


Jodhi Segall

Pai! Perdoa-me por minhas ignorâncias

Não sou mais inocente

Nem mesmo inculpe posso ser

Vira tuas costas


Luta comigo

Meu corpo


Jodhi Segall



O verso mais profundo quanto errante

Que é bússola e sextante de mares e ventos

A lua dos não amantes, o sol dos náufragos

A cura e a beleza de um dia feliz

Um trabalho bem feito

Um riso espontâneo no bailar das nuvens

As amoras existem independentes das masmorras

E canto uma música para lembrar-me de alguém e bons momentos

Acendo a luz e me maravilho com o mundo ao meu redor

Bebo uma taça de vinho

Degusto um bom queijo

E danço,

danço,

danço,

e por fim adormeço entregue aos seus carinhos.


A nenhum deus pertenço

Thiago Arcanjo Augusto Madeira Leão

A nenhum deus pertenço

Nada em mim é completo
A incompletude me divisa
Me busca e encontra
Me faz desencontro e nova busca

Nela ora sou morto, ora assassino
Mas não tenho deus algum

Posso possuir medos e confianças
Fazer alianças talvez
Mas não crer em deus algum
Me contenta e conforta

O sangue que escorre
Nas verdades e mentiras dos diários
De meus dias
Não me permitem creditar
Boa fé
Em eternidades
Nem

Santidades em meus atos

Amor se aprende assim

Alexander Martin Wash

Nenhuma palavra:
Um olhar talvez
Mas que seja profundo e bem profano
Bem indecente
Daqueles que até o nu reprove
Que seja simples e gratuito e bem sujo

É assim que se ama:
Sem expectativas
Nem dia a dia
E toda a via
Se renova e engrandece

Não mais que isso:
Um sorriso indecente
Que não é gratidão
obrigação
nem penitência

Mas que abraça o mundo
Sem medo ou dor alguma

Entre águias e condores

Jodhi Segall

Sou
Nada possuo
Nada é meu
Tudo está
Ao tudo pertenço

Nesta vasta imensidão
Inexisto

Há o frio
Gélido
Grutal
Soberano

Assim me torno humano:

O não divino de todas as coisas.

Dias e dias

Jodhi Segall


O apartamento é pequeno e tudo.
São dois quartos simples, mas aconchegantes.
Da janela brincamos de esconde- esconde
Com o sol e a chuva, mas as estrelas brilham no teto e
A lua banha o nosso amor.

Os móveis são simples e modernos.
Um pouco de cada história.
Um ir e vir de detalhes e souvenirs.
A rede, o puff, a mesa e seus relicários.
O gosto de viver e ser e estar no mundo.
Tão bom o aroma de quem ama.
Tão inteira esta partilha nos modos e coisas de amar...
Compramos cama e colchão novos.
Os amores renovados precisam de novos ninhos.
Os pássaros do passado não repousam no mesmo
Ninho de agora
O passado passou...

Fica aquela alegria de uma felicidade indiscutivelmente simples.
Como é simples a vida. Como é simples amar...
 A menina de ontem cresceu e desabrocha agora.
A cria está criando asas. Em breve deve voar.
Há dois banheiros: um público e um enluarado.
Estou amando e sendo amado.
Precisamos de paz. Silêncios, concordâncias.
É meu aniversário. Estou trabalhando.

Lá fora um quê de tudo parou.
Sorrio. Aqui dentro de mim um rio transborda.
Um anjo passa e diz: tudo é passageiro!
Que seja então intenso e profundo.
Nada temo.

Eu sou eu: meu barco, meu mar, meu fundo.

Devaneio


Devaneio

Jodhi Segall

As nuvens passam
como palavras sussurrantes

Imagens de tempos e formas
transpassam a eternidade
infinita de tudo aquilo que
tão rápido se transforma

Vida e morte encontram
um unico destino
na mesma fotografia
não revelada

Um café a tarde tem sempre
um sabor de recomeço

A chuva cai
Independente de nossa vontade
O rio transborda e invade
corpos e almas penitentes
Não há inocência alguma
na velhice
mas crer no arco-iris é o
que se faz de bom
além da crítica e da censura

Ontem éramos um tom de música e cor
que  um cão ou um gato
com ternura reconhecia
ainda que fosse monocromática ou
preto e branco
como convém aos cavalos

Um dia nos tornamos idiotas demais
Pensamos que o amor é livre
e que alguma coisa é merecimento

Despertamos sobre os escombros
de  um mundo débil
que se renova nas gentilezas
angelicais
e dizemos muito obrigado
a qualquer deus que nos atenda
em nossas misérias

Os dentes podres se expoem
à revelia  do que somos ou não
Aquela indumentária antiquada
de rotinas sem um sentido maior
que sua própria finalidade
Aquele pulmão impuro fruto das ruas e avenidas
O fígado carcomido pelas águas da vida
As veias entupidas pelo medo
Os olhos cegos pelo pânico

A cabeça gira sob o astrolábio
dos mitos
Um grito ecoa sobre as místicas
de um não vivente
Poética e patética se fundem
O trágico e o cômico se complementam
A estética não é uma questão de beleza
mas de pagamento apropriado

E na certeza do primeiro instante
em que nos revelamos nus
ser a incerteza do animal
que há oculto em nossos pés
e para o qual nossos joelhos dobram
Reverie

Jodhi Segall

Les nuages
​​passent
comme des mots chuchotant

Images de temps et des modes
l'éternité transpercent tout infinie devient si vite

La vie et la mort sont une cible unique
dans le même tableau à ne pas divulguer

Un après-midi, le café est toujours
la saveur d'un nouveau départ

La pluie tombe
Indépendant de notre volonté
Les débordements des rivières et envahir corps et âmes pénitentes
Il ya une certaine innocence
dans la vieillesse
mais nous croyons l'arc en ciel est le
qui fait une bonne
au-delà de la critique et la censure

Hier, nous étions un ton de la musique et la couleur un chien ou un chat
salué chaleureusement mono ou même si elle était en noir et blanc
comme il sied à des chevaux

Un jour, nous devenons trop stupide
Nous croyons que l'amour est libre
et que quelque chose vaut la peine

Je me suis réveillé sur les débris un monde de faibles qui se renouvelle dans la bonté angélique et de dire merci à un dieu quelconque qui satisfait à la dans nos misères

Les dents pourries sont exposés
par contumace de qui nous sommes ou non
Que les vêtements à l'ancienne
routines sans un plus grand sens
votre propre but
Ce poumon brut
Fruit des rues et des avenues
Le foie rongé par les eaux de la vie
Les veines obstruées par la peur
Yeux aveuglés par la panique

La tête tourne sous l'astrolabe
des mythes
Une voix retentit sur
​​le mystique
une non-vivant
Poétique et poignante fusion
Le tragique et le complément comique
L'esthétique n'est pas une question de beauté mais le paiement approprié

Et certainement dans le premier instant dans lequel nous révèlent nue
est l'incertitude de l'animal

Qu'est-ce qui se cache dans nos pieds et pour lesquels nos genoux se plient

Azimute

Jodhi Segall

Um dia partimos.

E nos perguntamos sobre buracos negros
e super-novas...

Ó campo, campo, onde as flores semeadas?

Caminhamos pela cidade e verificamos
nossos fragmentos diluídos
por entre mutilados e impérios.


Nada é sério demais para se levar para o túmulo.

As noites frias do cerrado

Jodhi Segall

I
Nossa língua era macro-jê, antes mesmo de mim ou de você.
Mas cintilam seus colibris em veias e veios,
no colorido alegre destes anseios
que ainda brotam dos olhos apaixonados
dos homens e mulheres da minha terra,
jorrando da mina d’água o infinito encantado de cada canto
dos guerreiros mortos na guerra:
Mocurins, Atu-auá-araxás, Puris, Xacriabás, Maxacalis, Crenaques, Aranãs!

Felizes são os olhos que reverenciam a manhã,
pois não há pecado algum quando se desconhece o Santo.
O nosso deus não tinha vergonha de nossa nudez:
não era cristão nem português!

Um deus livre e feliz, jamais escravo nem burguês,
que crucificado foi diante ao ofício da coroa de um padre:
um tal Buá, que de lágrimas ou piedades nada possuía.
Que em nome de São Paulo batizou Minas del Rei
Às terras Geraes dos Campos de Cataguás.

Deflorou as virgens matas desterrando ritos, mitos e lendas.
Diante de tantas riquezas e outras tantas serventias,
reinventou o mundo para além de Tordesilhas,
destinando novas terras aos seus herdeiros, filhos e filhas,
fundando continente o que outrora se chamara ilha.

II
Esta bandeira tremula sobre as alterosas montanhas da Inconfidência
Grita em nome dos poetas: Liberdade antes que tardia
O rubro sangue de seus heróis trespontas no carmim das revoluções primeiras
Nos clarins dos Emboabas à degola de Vila Rica
Terra dos quintos dos infernos e morada de anjos e profetas.
Nasceu ali em Nossa Senhora do Carmo; Minas nasceu dos ribeiros de Sabarabuçu.

Se multiplicou em Mariana, Sabará, Tiradentes, Diamantina e São João Del Rei.
Eis a nossa Conjuração: meu nome é
Minas das Terras Geraes dos Campos de Cataguás!!

III
Anhanguera gerou Gerais
Por entre serras e arroios
Rios e corredeiras
Da serra do mar ao planalto central
Por uma terra sem caminhos
Que não fossem coragens ou covardias
O livre tornou-se escravo
Brotava ali das minas e matas uma nova raça
Um outro povo que não possuía bandeiras
Nem estandartes, brasões ou galardão

O mar é verde como os olhos da cabloca
Como arde o inferno a quem não se encanta com a beleza 



Angola, Congo, Burundi!

Jodhi Segall

Angola, Congo, Burundi!
Sic transit gloria mundi

O vagar das ondas de além mar
As memórias de mundos e nenhum lugar
Os cantos castros de outrora alvas flores
A senzala de ontem e os grilhões de agora

Sic transit gloria mundi:
Angola, Congo, Burundi!

As meninas delforadas, estupradas e
Decepadas de Áfricas...
As milhares de mulheres e cabras mortas,
Espalhadas pelas savanas.
Os corpos guerreiros negros esquartejados,
Largados às margens de veredas e rios.
O sangue humano a irrigar minas de ouro, diamantes, esmeraldas;
O petróleo não é negro: é rubro!
O cheiro desumano de carne apodrecendo sob o tempo, alimentando abutres
Sobre as esperanças daqueles que não têm infância ou desespera.

Angola, Congo, Burundi!
Sic transit gloria mundi

As minas batidas sob abusos:
Fuzis, metralhadoras e obuses de Angola...
As eternas misérias de Serra Leoa a Moçambique.
Os ignoráveis do Egito a África do Sul.
Os contrastes do Mediterrâneo ao Cabo das Tormentas.
Estreita distância de estreitos...
Do Gibraltar ao Magalhães,
em Áfricas, não sejas tolo!!

Sic transit gloria mundi:
Angola, Congo, Burundi!

Sob miragens, esfinges e palácios cravejados de diamantes
Jorra o sangue: o ouro óleo negro e viril
A amamentar o amanhecer do mesmo velho mundo novo
A senzala de ontem e os grilhões de agora.
O renovar do mundo e nenhuma novidade:
Os navios negreiros de além mar
A vagar pelas cidades.
E os nossos mortos corpos putrefados
Espalhados por onde vamos livremente
Encarcerados ou mortos-vivos.

Angola, Congo, Burundi!
Sic transit gloria mundi.

Ó Salomão, Salomão!!
Eis tuas minas, nossa herança:
Despatriados de todo amor,
perdão ou esperança
Somos teus herdeiros no ódio,
no horror e na vingança!!

Sic transit gloria mundi:

Angola, Congo, Burundi!

O beijo

Jodhi Segall


Rouba-me o ar e a candura
Cala-me a angústia de tanto desejo
Desnuda, descarna e come.

Ardente este sôfrego solfejo de almas perdidas
Sem porto ou norte
Desnorte de braços envolvidos nas recusas

O bailar entre o tango argentino e o xote nordestino

Recriar o flamenco em nossos corpos
No cálice de fogo rubro
Estar tão dentro de si quanto mais profundo

O som

Despertar na ausência de todas as eras
E ser todas as vidas já vividas sem esperas

Teu corpo nu dentro de mim
E nada mais de estradas ou distâncias
Um calar profano sem medo-engano ou amor sublime
Um gozo inteiro em tua boca jorra
E minhas coxas a ruírem pelas estrelas

Dá-me tua boca, amor, a calar minha boca

Um beijo sem quimeras
Apenas um beijo em enfim sem


Desesperas